domingo, 14 de janeiro de 2024

Fundação e Desenvolvimento do Moinho Fluminense pelos irmãos Carlos e Leopoldo Gianelli (período de 25/08/1887 à 20/11/1927)

                                                           

                                                        

Carlos Gianelli
                                                                  
                                                 CARLOS GIANELLI ONETO
                                                   (08/12/1854 -14/03/1908)


MARCO HISTÓRICO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Há mais de um século, um conjunto de prédios em frente ao cais do porto figura proeminente na paisagem e na história do Rio de Janeiro. Inaugurado quando o País ainda era Império, e a cidade, sua capital,  a primeira fábrica de farinha de trigo do Brasil teve seu alvará de funcionamento concedido pela Princesa Isabel, em 25 de agosto de 1887.  Fruto do empreendedorismo dos irmãos uruguaios Carlos e Leopoldo Gianelli, o Moinho Fluminense  por exatos 100 anos funcionaria ali, naquele conjunto de fábricas, armazéns e silos hoje tombado pelo patrimônio histórico e arquitetônico do bairro da Saúde. Palco e testemunha de guerras, revoluções sociais, mudanças de regime e crises financeiras mundiais, o Moinho Fluminense foi também ponta de lança de enormes avanços industriais que ajudaram a movimentar a economia nacional e trazer o Brasil para o século XXI. 

CHEGADA DE CARLOS GIANELLI AO BRASIL
Giacomo Gianelli nascera em 1820, na cidade Castiglione Chiavarese, numa família de moleiros. Até hoje, lá existe a padaria Antico Panificio Gianelli, onde se pode apreciar o "pane buono". Movido pela vontade de levar vantagem a partir de seus conhecimentos na área da moagem, ele decide emigrar, com o irmão Cristóforo, para a Argentina. Chegados na América, os dois irmãos vão traduzir respectivamente seus nomes para Santiago e Cristóbal. Em Buenos Aires, o moleiro investe num moinho próprio e se casa com Carlotta Oneto, também filha de um moleiro italiano. Em 1849, o casal se muda para o Uruguai. Dois anos depois, eles desenvolvem seu primeiro estabelecimento em Montevidéu: Molinos Gianelli. Vinte anos se passam, e a ideia de modernizar a empresa motiva Santiago Gianelli a viajar para a Itália, de onde traz novos maquinários e equipamentos. Os Molinos Gianelli conquistam prêmios nas exposições de Londres (1862), Paris (1878) e Barcelona (1888), onde os produtos são apresentados. Tais reconhecimentos e a boa situação econômica estimulam o empreendedor a expandir suas atividades de forma a abranger outros mercados da América do Sul. Como o capital investido é de origem familiar, na governança dos novos moinhos impõe-se, como condição necessária, que a gestão seja atribuída aos filhos.

No âmbito do ambicioso projeto de Santiago Gianelli de construir o primeiro moinho do Brasil, insere-se a vinda de Carlos Gianelli, em 1880, para o Rio de Janeiro. No currículo do jovem recém-chegado, junto à experiência adquirida em Montevidéu na firma familiar, há conhecimentos técnicos aprendidos no período de estudos na Inglaterra. Carlos Gianelli tem 25 anos quando chega ao Rio de Janeiro. Com a experiência adquirida na indústria do pai em Montevidéu, Carlos, auxiliado por Leopoldo que pouco tempo depois desembarcara no Rio de Janeiro  para associar-se ao irmão, abre seu primeiro moinho de beneficiamento de trigo em um prédio da antiga Rua Larga de São Joaquim, atual Rua Marechal Floriano, Centro do Rio de Janeiro.

PRIMEIRO SURTO INDUSTRIAL NO BRASIL
No Brasil, o primeiro surto industrial se dá entre 1880 e 1890. O Rio de Janeiro, capital e primeira cidade do país, com quase meio milhão de habitantes, se apresenta como berço ideal para o novo processo. Além de sede da corte, a cidade é favorecida pela peculiar posição geográfica, graças ao seu porto natural, entre os mais importantes do Atlântico Sul. Do ponto de vista financeiro e comercial, a acumulação de capital decorrente da cafeicultura ou dos negócios de comércio exterior e a facilidade de financiamento pelos grandes bancos, cujas sedes se localizam na cidade, se juntam à disponibilidade de mão de obra proveniente da imigração interna e externa ao país. No que concerne ao mercado de consumo, devido à presença da rede ferroviária, é possível abranger, além da capital, a região servida pela linha férrea. Outro fator de extrema importância para o funcionamento da moderna indústria é a presença da energia a motor em substituição à água. São comuns novos estabelecimentos nas proximidades das fontes de energia.
Assim, em poucos anos, fábricas, moinhos, máquinas a vapor e estradas de ferro espalharam-se por diferentes áreas, introduzindo, no tecido urbano de marco colonial, uma nova escala de grandeza. Enquanto as indústrias de tecelagem privilegiavam áreas próximas a fontes de água, como os bairros Laranjeiras, Jardim Botânico e Bangu, o Centro, área de negócios, foi priorizado por oficinas, gráficas, metalúrgicas, fundições e indústria alimentar. Dessa última categoria, faz parte o Moinho Fluminense.

FUNDAÇÃO DA GIANELLI & CIA
Nesse cenário tão promissor, poucos anos são suficientes para Carlos Gianelli se ambientar ao clima carioca e se integrar ao meio financeiro da cidade. Resultado disso é seu contrato de sociedade com o banqueiro e industrial brasileiro Francisco de Paula Mayrink, firmado em 1883. Segundo os termos do contrato social, Carlos Gianelli entrava na sociedade com sua indústria, calculada em Rs. 800:000, enquanto o brasileiro Mayrink investia Rs. 200:000. No dia 11 de julho de 1883, três anos após sua chegada, Carlos Gianelli se associa a Francisco de Paula Mayrink para fundar a Gianelli & Cia., com contrato social registrado na Junta Comercial da Corte.

INAUGURAÇÃO DO MOINHO FLUMINENSE
Os irmãos Gianelli deslocam sua indústria de moagem para a Rua da Saúde, atual Rua Sacadura Cabral, no bairro da Saúde, zona portuária do Rio de Janeiro. As novas instalações ficam no prédio Nº 170, adquirido por 60 mil réis ao proprietário Benjamin Wolf Moss (que precisou rescindir o contrato com o então arrendatário, indenizado com a quantia de 3 mil réis), e no terreno vizinho, Nº 172, adquirido por 70 mil réis à Arthur Moss & Cia. (A quitação plena e geral da hipoteca dos imóveis seria lavrada em 18 de março de 1890.) É fundada então a sociedade comanditária Moinho Fluminense, a primeira fábrica de moagem de trigo do Brasil, que tem como principais acionistas a Gianelli & Cia. (400 ações), Leopoldo Gianelli (180 ações), as empresas Phipps Irmãos & Cia., Duvivier & Cia. e John Pethy & Cia. (100 ações cada), Carlos Gianelli (90 ações), o cônsul Érico A. Pena (50 ações) e o Visconde de Carapebris (40 ações). No dia 25 de agosto de 1887,  a nova sociedade ganha o alvará de funcionamento, concedido pela Princesa Isabel, dando início às operações e à história do Moinho Fluminense (o decreto seria publicado no Diário Oficial do dia 1º de setembro de 1887). A capacidade de processamento de trigo do Moinho Fluminense no início de seu funcionamento era de 80 toneladas por dia, chegando, em setembro de 1888, a triturar de 110 a 120 toneladas de trigo diariamente.

POLÍTICA PIONEIRA DE DISTRIBUIÇÃO DE MELHORES SEMENTES PARA OS AGRICULTORES
Instalado em um prédio de cinco andares projetado por Antonio Jannuzzi, na época um dos melhores arquitetos do Rio de Janeiro, o Moinho Fluminense é o primeiro moinho industrial moderno do País. Seu moderno e eficiente maquinário vem importado da fábrica Thomas Robinson & Son, de Rochdale, Inglaterra. Sua produção não é comercializada diretamente com o grande público, sendo distribuída exclusivamente pela firma John Moore & Cia., com sede na Rua Candelária, Nº 92, Centro do Rio de Janeiro. Já nos primeiros anos, o Moinho Fluminense apresenta bom desempenho: em 1888, pagas todas as despesas e separados os montantes destinados aos lucros suspensos e ao fundo de reserva, os associados ganham dividendos da ordem de 14%. A concorrência limita-se ao Moinho Inglês, então a única outra empresa dedicada à industrialização do trigo na cidade do Rio de Janeiro. Para fomentar o cultivo do grão no País, os irmãos Gianelli decidiram que o Moinho Fluminense passasse a distribuir sementes da melhor qualidade a agricultores das regiões Nordeste (PE) e Sul (PR, SC, RS). Note-se que essa politica pioneira adotada pelo Moinho Fluminense a partir de 1890 de distribuir melhores sementes para os agricultores para melhorar a produtividade e a qualidade do trigo nacional se consolidou definitivamente no Brasil com a criação da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 07 de Dezembro de 1972, com a missão de "Viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira". Foi a partir de pesquisas cientificas no setor agropecuário realizadas  pelos 2.444 pesquisadores da EMBRAPA trabalhando em centros de pesquisa espalhados em quase todos os estados brasileiros que foi possível elaborar técnicas e insumos capazes de tornar o Brasil o terceiro maior produtor de alimentos e o segundo maior exportador de alimentos do mundo; havendo uma previsão de que a partir de 2030 poderá se tornar o maior produtor de alimentos do mundo. 

O MOINHO FLUMINENSE SE TORNA S.A.
Em 1889, a empresa anexa um prédio próximo à sua fábrica no Nº 176, adquirido por 65 mil réis à dona Maria Joaquina Duarte e torna-se sociedade anônima. A S.A. Moinho Fluminense tem como primeiro diretor-presidente o seu fundador, Carlos Gianelli.

A FACHADA DO MOINHO FLUMINENSE
Antes do Aterro e da construção do cais do porto, o mar vinha bater à porta do Moinho Fluminense. A fachada do Moinho Fluminense foi um projeto e construção de Antonio Jannuzzi, Irmão & Co. O prédio original do Moinho Fluminense com cinco andares foi construído em 1887; em 1896, a construção do prédio da Administração; em 1912 a construção do Silo Nº 1, do túnel ligando o Porto ao Parque Industrial e do elevador para descarga dos navios. A fachada do Moinho Fluminense foi modernizada em 1913, após acréscimo de mais quatro andares sobre o original. Em 1926, a construção do Silo Nº 2. 

CARLOS GIANELLI ABRE A ROTA DE COMPRA DE TRIGO DO URUGUAI E DA ARGENTINA
Relatório referente ao período de 1º de abril de 1889 a 30 de setembro de 1891 registra preocupação que perduraria em anos seguintes: a política tarifária do País estaria gerando frequentes oscilações do câmbio, elevando o preço do trigo importado (e encarecendo as mercadorias do Moinho Fluminense) ao mesmo tempo em que dava estímulos à penetração, no mercado nacional, de farinhas de trigo estrangeiras. Por outro lado, negociações do diretor-presidente Carlos Gianelli com produtores de trigo na região do Rio da Prata logram importante conquista para a empresa. Se até então a S.A. Moinho Fluminense importava trigo principalmente de Nova York, da Nova Zelândia e da Região do Báltico, o Prata passa a oferecer uma alternativa de fonte de matéria-prima mais próxima e com maior segurança contra danificação do cereal (causada pelo depósito em celeiros expostos aos rigores do clima naquelas outras regiões). Isto foi possível porque Henrique Gianelli, irmão de Carlos e Leopoldo era Presidente do Molinos Gianelli, maior moinho de trigo na época  em Montevidéu- Uruguai. Henrique Gianelli, naturalmente conhecia e tinha contato com os maiores produtores de trigo do Uruguai e da Argentina para abastecer de matéria prima o moinho fundado pelo seu pai, Giácomo Gianelli que tinha migrado para o Uruguai em 1849 e fundado o Molinos Gianelli. Note-se que a abertura da rota de compra de trigo do Uruguai e da Argentina foi um acontecimento histórico que se consolidaria ao longo  do século XX e até nossos dias. Em 2019, 83%  (6, 6 milhões de toneladas) das importações de trigo do Brasil procederam da Argentina. E a oscilação na política tarifária sobre o trigo é um problema que persiste até agora tal como acontecia em 1889.  Em Junho de 2019, o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex), órgão deliberativo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), autorizou uma cota adicional de importação de 450 mil toneladas de trigo de fora do Mercosul sem Tarifa Externa Comum (TEC) de 10%. A decisão do governo brasileiro de ampliar a cota para a importação de trigo de fora do Mercosul gerou protesto dos produtores e exportadores da Argentina – principal fornecedor do cereal para o Brasil. Essas indas e vindas na politica tarifária brasileira em relação à importação de trigo continua provocando até hoje grandes incertezas tanto nos fornecedores de trigo quanto nos importadores de trigo do Brasil. O relatório do Moinho Fluminense no período 1889/1891 aponta  entre os maiores consumidores dos produtos da empresa,  os mercados do Rio de Janeiro, de São Paulo embora cite embaraços no transporte da farinha ao mercado paulista via estrada de ferro Central do Brasil e do Rio Grande do Sul

CONCORRÊNCIA ESTRANGEIRA
Relatório referente ao ano de 1892 e início de 1893 segue indicando a concorrência de farinhas importadas como um desafio às finanças da empresa. Além de apresentarem menor qualidade e, portanto, preços reduzidos, as farinhas estrangeiras chegam ao País em sacos e barricas livres de direitos diferentemente dos produtos do Moinho Fluminense, que precisa importar sacos, devido ao preço não compensador cobrado pelo fabricante nacional de sacaria. Ainda assim, no segundo semestre de 1892, após pagos os dividendos (3%), os lucros distribuídos aos acionistas atingem 28% do capital. Somados aos 14% repartidos durante o período em que a empresa era sociedade comanditária, totalizam 42% até então. 

RUI BARBOSA SE REFUGIA NO MOINHO FLUMINENSE
A Revolta da Armada foi um levante da Marinha brasileira - apoiado supostamente pela oposição monarquista -, que, insatisfeita com a recém-proclamada República, exigia a renúncia do presidente Floriano Peixoto. O restante das forças armadas, no entanto, assim como grande parcela da sociedade civil, apoiou o novo Presidente, e a Revolta acabou sufocada no prazo de seis meses. No ano de 1893, durante a Revolta da Armada , enfrentamento bélico entre a Marinha e o Exército do Presidente Floriano Peixoto, o Ministro da Fazenda Ruy Barbosa, considerado o mentor da revolta, refugia-se  dentro do Moinho Fluminense, com a ajuda do amigo Carlos Gianelli. Ameaçado de prisão, em 1º de outubro, Rui Barbosa parte para Chile e o Jornal do Brasil do qual era Redator-Chefe é fechado. Rui Barbosa (05/08/1849- 01/03/1923) foi um intelectual, político, advogado, jornalista, diplomata, orador e escritor brasileiro e uma das mais importantes figuras na história do Brasil, pois participou da fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual foi presidente, após a morte de Machado de Assis.

REVOLTA DA ARMADA AGRAVA DIFICULDADES 
Em 1893, o enfrentamento bélico entre a Marinha e o Exército do Presidente Floriano Peixoto, a chamada Revolta da Armada, que tem como palco principal a Baía de Guanabara traz novos e graves transtornos para as atividades da S.A. Moinho Fluminense. O Moinho se torna cenário e personagem do combate; tropas de guarnição do litoral e da polícia portuária ocupam as dependências da empresa; trincheiras são construídas sobre a ponte de embarque e desembarque da fábrica; tiros são disparados em direção ao moinho, atingindo telhados, caldeiras e os próprios funcionários. Como consequência, o desembarque da matéria-prima no porto é prejudicado, a remessa de farinha para a Região Sul deixa de ser feita, após interceptação da via marítima, e a estrada de ferro Central do Brasil deixa de prestar o serviço regular de transporte das mercadorias para o interior fluminense e paulista. Some-se a isso o câmbio desfavorável e um convênio firmado entre os governos brasileiro e americano, que favorece a importação de farinhas de trigo americanas, e o Moinho Fluminense se vê obrigado a reduzir sua moagem e, consequentemente, seu lucro. No segundo semestre de 1893, a empresa não apresenta lucro em suas atividades. No ano seguinte, contudo, a empresa volta a apresentar lucros suficientes para saldar os juros de suas dívidas, consolidada e flutuante, e operar pequenos abatimentos na última.

DEPÓSITO DE FARINHAS DO MOINHO FLUMINENSE NO RIO DE JANEIRO
Para aumentar lucros, a empresa elimina intermediários, estabelecendo distribuidoras em cidades consumidoras e vendendo seus produtos diretamente a padeiros . Os anos seguintes veem o Moinho Fluminense superar os desafios agravados pela guerra na Baía de Guanabara e navegar mares mais calmos. Atendendo a reivindicações do setor moageiro, o Congresso Nacional isenta ás empresas da taxa de expediente sobre o trigo. O mercado consumidor cresce, a ponto de, em 1896, a empresa não dar conta da demanda de seus clientes. (No mesmo ano, o jornal O Paiz informa que a S.A. Moinho Fluminense teria comprado toda a produção de trigo de Montevidéu, no Uruguai.) No ano seguinte, o maquinário da empresa contabiliza então 33 moinhos, 20 purificadores, 30 centrífugas e cernideiras, 20 máquinas de peneirar, 8 máquinas de ensacar farinha e farelo, 40 máquinas para limpar o trigo, 23 aspiradores e ventiladores e 4 balanças automáticas. Em agosto de 1897, o relatório da diretoria à assembleia geral de acionistas revela que a produção teria mantido os níveis de exercícios anteriores e que a estratégia da empresa de evitar ao máximo os intermediários comprando diretamente de produtores e vendendo diretamente a padeiros teria dado lucro. Ainda em 1897, soldados provenientes da campanha de Canudos (BA) retornam à capital e se instalam em habitações precárias no Morro da Providência, próximo ao Ministério do Exército e ao Moinho Fluminense (ao fundo). Segundo alguns historiadores, tendo se aquartelado durante a batalha no sertão baiano em um morro chamado Favela recoberto por arbusto rasteiro de mesmo nome, eles teriam batizado a nova morada também de favela. Segundo essa versão, seria a primeira favela do Brasil

OPERAÇÃO A TODO VAPOR. 
O relatório de fins de agosto de 1898 indica uma produção regular, operação ininterrupta do maquinário e finanças positivas: após pagos os juros de capital tomado a crédito; após atendido o serviço de amortização das debêntures e pagos os respectivos juros; e após ser reservada elevada soma para a conta de lucros suspensos (necessária para resguardar a empresa de adversidades futuras); o Moinho Fluminense distribui dividendos de 7% aos acionistas. Com isso, desde a instalação da sociedade comanditária, os dividendos distribuídos pela empresa totalizariam então 70% de seu capital social. No mesmo ano, a empresa tem como maior concorrente a Moinhos e Granéis do Rio de Janeiro. Em 1899, a empresa anuncia que irá aumentar o movimento de moagem das máquinas devido à ampliação da clientela. Além disso, novas solicitações de lavradores por sementes indicam que os esforços da empresa em fomentar o cultivo de trigo nos campos do País começaram a dar resultados. As primeiras décadas do século XX reservariam, no entanto, mais dificuldades. 

DESAFIOS ECONÔMICOS NO  INÍCIO DOS ANOS DE 1900 
No primeiro semestre do ano de 1900, a diretoria da S. A. Moinho Fluminense comunica a assembleia de acionistas a decisão do Governo Federal de retirar a pequena proteção concedida ao setor moageiro, tributando pesadamente a entrada do trigo em grão no território nacional. A medida novamente favorece a concorrência estrangeira; o aumento do preço do trigo no mercado internacional tampouco ajuda. A conjuntura econômica, somada à necessidade de uma série de amplas reformas nas instalações do Moinho Fluminense, faz com que durante a maior parte das duas primeiras décadas do século XX a empresa decida não distribuir dividendos aos acionistas. Apenas em março de 1918 a diretoria voltaria a propor o pagamento de dividendos de 10% sobre o capital social. 

RODRIGUES ALVES ANUNCIA A REFORMA DOS PORTOS NACIONAIS
 Em dezembro de 1902, Rodrigues Alves assume a Presidência da República e, em mensagem ao Congresso Nacional, anuncia a intenção de melhorar os portos nacionais, a começar pelo do Rio de Janeiro. A obra envolveria o aterro de mais de três quilômetros de faixa costeira, dando origem a várias pequenas baías entre a ponta de São Bento e a de São Cristóvão, e favoreceria o Moinho Fluminense por ampliar os terrenos adjacentes à indústria, permitindo a extensão de suas instalações. As obras de ampliação do porto aconteceriam ao longo da década, sendo o novo Porto do Rio de Janeiro inaugurado em 20 de julho de 1910. 

REVOLTA DA VACINA AFETA A PRODUÇÃO DO MOINHO FLUMINENSE
Em meados de 1904, chegava a 1.800 o número de internações devido à varíola no Hospital São Sebastião. Mesmo assim, as camadas populares rejeitavam a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. E ainda corria o boato de que quem se vacinava ficava com feições bovinas. Então, em junho de 1904, Oswaldo Cruz motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional. Após intenso bate-boca no Congresso, a nova lei foi aprovada em 31 de outubro e regulamentada em 9 de novembro.Em 5 de novembro, foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. Cinco dias depois, estudantes aos gritos foram reprimidos pela polícia. Durante a Revolta da Vacina, a população monta barricadas entre 10 e 16 de novembro de 1904 em frente ao Moinho Fluminense contra a vacinação obrigatória instituída pelo diretor- -geral de Saúde Pública, o médico Oswaldo Cruz. No dia 11, já era possível escutar troca de tiros. No dia 12, havia muito mais gente nas ruas e, no dia 13, o caos estava instalado no Rio. Após um saldo total de 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos em menos de duas semanas de conflitos, Rodrigues Alves se viu obrigado a desistir da vacinação obrigatória.

FALECIMENTO DE CARLOS GIANELLI
Acometido por grave doença, não diagnosticada, em 1906, Carlos Gianelli é levado para tratamento na Europa, ficando o seu irmão Leopoldo com o cargo de diretor-presidente do Moinho Fluminense. O fundador da empresa morreria dois anos depois, em 1908, ainda fora do Brasil. 

PARTICIPAÇÃO NA EXPOSIÇÃO NACIONAL 
Organizada no Rio de Janeiro entre 11 de agosto e 15 de novembro de 1908, no bairro da Urca, a Exposição Nacional Comemorativa do 1º Centenário da Abertura dos Portos do Brasil conta com a presença do Moinho Fluminense, que expõe pequenos sacos e frascos de cristal com amostras de farinha de trigo, semolinas, farelo, farelinho, etc. A participação no evento confirma a importância da empresa para a economia nacional de então ao final daquela década. Além da elevada produção em termos de moagem de trigo, o Moinho emprega aproximadamente 150 pessoas e consome, anualmente, em torno de 1 milhão de metros de pano nacional, de uma então emergente indústria têxtil brasileira.

A MULTINACIONAL BUNGE & BORN ADQUIRE A MAIORIA DAS AÇÕES
 Em 1914, a multinacional holandesa Bunge & Born presente no Brasil desde 30 de setembro de 1905, quando da fundação da S. A. Moinho Santista Indústrias Gerais adquire a maioria das ações  da S. A. Moinho Fluminense e passa a controlar a sua produção, embora  D Leopoldo Gianelli continue na função de Diretor-Presidente da S.A. Moinho Fluminense até o final dos seus dias. Em 1925, a capacidade de moagem do Moinho Fluminense alcança  200 toneladas de trigo por dia. 

REFORMAS E RELAÇÃO COM O CONSUMIDOR A PARTIR DO INÍCIO DOS ANOS DE 1920 
Durante o início dos anos 1920, a empresa segue investindo em melhorias de suas instalações e equipamentos. Foi o primeiro moinho a fabricar farinha com o uso de cilindros no Brasil. Em 1923, terminadas as reformas no Moinho Fluminense, mesmo operando em capacidade máxima de moagem, a empresa mal consegue dar conta da demanda. Em 1924, o Moinho cria uma seção de vendas e passa a lidar diretamente com os clientes. Até aproximadamente 1924, a farinha de trigo era acondiciona em barricas de 44 quilos, sistema remanescente da época em que o produto era importado de outros países; posteriormente, passou-se a utilizar sacos, mudança que desagradou aos consumidores, dado que as barricas de madeira se prestavam a múltiplas utilidades.

FALECIMENTO DE LEOPOLDO GIANELLI
Em 20 de novembro de 1927, morre em Paris, Leopoldo Gianelli, fundador e então diretor-presidente da S. A. Moinho Fluminense, após uma intervenção cirúrgica à qual não resistiu. Os seus restos mortais chegaram ao Rio de Janeiro no navio "Andalucia", no dia 22 de Dezembro de 1927. Após o falecimento de D Leopoldo Gianelli, assume a Presidência da empresa um executivo da  multinacional Bunge & Born, encerrando-se, portanto, a participação dos irmãos Carlos e Leopoldo Gianelli na gestão do Moinho Fluminense.

O PRÉDIO DO MOINHO FLUMINENSE É TOMBADO 
O prédio do Moinho Fluminense, de rara beleza arquitetônica, considerado um exemplo clássico da bela arquitetura industrial inglesa, foi tombado pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1987. (Fotografia do Antigo Moinho Fluminense de Augusto Malta)

Fonte da pesquisa: Relatórios Periódicos do Moinho Fluminense 


                                                LEOPOLDO GIANELLI ONETO
                                                        (1864 - 20/11/1927)



       

O Moinho Fluminense nas Lentes dos Mais Importantes Fotógrafos do Rio de Janeiro





 Projeto do maquinário para o Moinho Fluminense da firma Thomas   Robinson & Son- 1887.




Esta fotografia foi tirada durante a Revolta da Armada, em 1893. Da esquerda para a direita, o Morro da Saúde com a antiga Igreja da Nossa Senhora da Saúde, que data de 1742; o Largo da Harmonia e o Moinho Fluminense. No panorama de Marc Ferrez, a fachada lateral do Moinho Fluminense se diferencia do restante da paisagem carioca pela altura de cinco andares, incomum para a época, e a sequência em três módulos iguais, com forte declive dos telhados, elementos pertencentes ao vocabulário da arquitetura industrial inglesa. Vista da Prainha e Saúde, Gamboa. Foto de Marc Ferrez, 1893. COLEÇÃO GILBERTO FERREZ. ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES




Nesta foto do final do século XIX, de Marc Ferrez, à esquerda, veem-se as velhas docas antes da construção do cais atual. Onde estão atracados os barcos e navios, hoje se localizam a Av. Rodrigues Alves e a Av. Venezuela, em área aterrada pelo prefeito Pereira Passos em 1906. Naquela época, um dos lados e os fundos do Moinho eram banhados pelo mar e ali atracavam os barcos pequenos que abasteciam de trigo suas máquinas de moagem. O prédio foi erguido neste local basicamente com a finalidade de facilitar o recebimento do trigo, que vinha todo por mar. À direita, o edifício quadrangular e o mercado da Praça da Harmonia, em funcionamento desde 1856. Juntamente com o da Praça XV e o da Glória, constituíam os três únicos negócios do gênero existentes na cidade. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE




Esta imagem, do início do século XX, talvez a mais antiga ilustração do Moinho Fluminense, apresenta uma nítida leitura do primeiro projeto. A fachada, na Rua da Saúde, está acrescida por um imóvel de três andares destinado à administração da empresa, anexado em 1896. A fotografia data do ano 1909 e a autoria é de Luiz Musso & Irmão – MUSEU DA IMAGEM E DO SOM/CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE





  A fachada principal do Moinho em 1904 e o passadiço entre o   edifício principal e o       armazém antes do aterro, vistos do mar.




Fachada do Moinho em 1913, após acréscimo de mais quatro andares sobre o original.



                

                                 
Projeto Arquitetônico da Fachada e dos Armazéns I e II





Armazém Nº 1 - 1920 - Acervo Centro de Memória Bunge






Armazém Nº 2 - 1920 - Acervo Centro de Memória Bunge




Outdoor do Moinho em Belo Horizonte, Minas Gerais. Na parte de cima do anúncio, o perfil sombreado das instalações no Rio de Janeiro, 1927.

A GRANDE EXPANSÃO DO MOINHO FLUMINENSE APÓS SUA AQUISIÇÃO PELO GRUPO BUNGE
A aquisição do Moinho Fluminense pelo Grupo Bunge, em 1914, traz importantes inovações. A primeira é tornar o funcionamento do Moinho mais eficiente. São previstos pela nova diretoria importantes investimentos em modernos maquinários e, como consequência, a inovação e a ampliação da construção existente. Esses grandes esforços encontram o primeiro reconhecimento por ocasião da Exposição Internacional de 1922, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil. Nessa circunstância, o Moinho Fluminense, ao exibir os resultados conseguidos em nível nacional, recebe um prêmio e a medalha de ouro.


No que concerne ao processo construtivo, voltado à ampliação das estruturas, a leitura dos numerosos projetos permite dar conta da sucessão de obras realizadas até o Moinho adquirir o atual aspecto. Em muitos desses documentos, torna-se difícil identificar os assinantes responsáveis. Entretanto, no projeto relacionado à construção do novo moinho, apresentado em 1926, entre as diferentes assinaturas, encontra-se o nome de Leopoldo Gianelli. Esse fato vem confirmar a permanência de Leopoldo Gianelli na qualidade de diretor-presidente da S.A. Moinho Fluminense, até seu falecimento, que ocorrera em 20 de novembro de 1927. A partir dessa data a gestão do Moinho Fluminense pertence exclusivamente ao Grupo Bunge.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Decreto nº 9.776, de 25 de Agosto de 1887 (Publicação original)

 Autorisa a funccionar a sociedade denominada - Moinho Fluminense - e approva o respectivo contracto.


A Princeza Imperial Regente, em Nome do Imperador, Attendendo ao que Lhe requereram Gianelli &, Comp., e de conformidade com o parecer da Secção dos Negocios do Imperio do Conselho de Estado, exarado em Consulta de 28 de Março do corrente anno, Ha por bem Autorisar a funccionar a sociedade commanditaria por acções denominada - Moinho Fluminense - depois de preenchidas as formalidades ulteriores, e Approvar o respectivo contracto.

Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, assim o tenha entendido e faça executar. 

Palacio do Rio de Janeiro em 25 de Agosto de 1887, 66º da Independencia e do Imperio. 

Princeza Imperial Regente. 

Rodrigo Augusto da Silva. 


Contracto da sociedade commanditaria «Moinho Fluminense», sob a razão social de Gianelli & Comp. 

Art. 1º Pelo presente contracto é constituida uma sociedade commanditaria denominada «Moinho Fluminense», sob a razão social Gianelli & Comp. 

Art. 2º O objecto desta sociedade é a exploração da moagem do trigo e outros cereaes em grande escala e promover por todos os meios ao seu alcance a cultura, do cereaes no Brazil, compra e venda dos mesmos artigos. 

Art. 3º A séde da sociedade é na cidade do Rio de Janeiro. 

Art. 4º O prazo ajustado da duração da sociedade começará a contar de 1 de Julho de 1887, dia em que terão começo suas operações, e durará emquanto convier. 

Art. 5º O capital social é de 1.000:000$, para a formação do qual concorreu em dinheiro corrente o socio solidario, gerente exclusivo da firma social, Carlos Gianelli, com 50:000$, e os socios commanditarios adiante assignados, com a somma de 950:000$, dividido em 1.900 acções do valor de 500$ cada uma. 

Art. 6º O socio solidario Carlos Gianelli realizará a sua quota social em duas prestações em dinheiro corrente, uma no acto da constituição da sociedade e a outra restante do 45:000$ no dia 30 de Junho de 1887; e os socios commanditarios realizam as respectivas quotas do seguinte modo: 10% já se acham realizados como deposito equivalante, no London and Brasilian Bank, 15% a 30 dias da data da definitiva constituição da sociedade, 20% no dia 15 de Junho de 1887, 25%, no dia 16 de Agosto de 1887, e o restante á medida que as necessidades sociaes o reclamarem. 

§ 1º Quando se houver de fazer chamadas do restante do capital para seu preenchimento, haverá entre ellas um intervallo pelo menos de 60 dias e não se fará chamada superior a 15% do valor nominal de cada acção. 

§ 2º A falta da entrada de qualquer prestação do capital sujeita o socio commanditario, além da prestação respectiva, á multa mensal de 10% da sua importancia, ou á pena do commisso, a juizo do socio gerente, e o que produzir a multa ou o commisso será creditado na conta do fundo de reserva. 

Art. 7º Nenhum socio poderá dispôr de suas acções ou oneral-as, emquanto dever em atrazo á sociedade qualquer quantia por transacções com a mesma. 

Art. 8º Haverá em dia do mez de Agosto de cada anno uma assembléa geral ordinaria. 

§ 1º Cada acção dá direito a um voto, mas nenhum accionista poderá ter mais do 30 votos em qualquer assembléa. 

§ 2º Cada accionista póde-se fazer representar em qualquer assembléa por especial procurador, accionista ou não. 

Art. 9º Para que possa validamente funccionar e deliberar qualquer assembléa geral, é indispensavel que seja representada a quarta parte do capital emittido. 

§ 1º Si no dia designado não se reunir o numero legal, será convocada outra assembléa, a qual deliberará com qualquer numero de accionistas presentes. 

§ 2º Si se tratar de reforma de estatutos, prorogação ou dissolução da sociedade, só poderá válidamente deliberar a assembléa, si estiver presente um numero de accionistas que represente dous terços do capital emittido; e si nem na 1ª, nem na 2ª convocação estiver representado este capital, será convocada 3ª reunião pela imprensa diaria e por cartas, feito o que poderá a assembléa deliberar válidamente, seja qual fôr o numero de accionistas presentes á 3ª convocação. 

§ 3º As deliberações das assembléas geraes serão tomadas por maioria dos accionistas presentes, mas reclamando qualquer accionista, prevalecerá o que fôr vencido por escrutinio secreto na proporção do capital representado. 

§ 4º As convocações serão motivadas e annunciadas pela imprensa diaria, com antecipação nunca menor de 10 dias. 

§ 5º Nas assembléas extraordinarias que terão lugar quando o gerente convocar, ou o fizerem os accionistas nos termos da legislação vigente, só se tratará do objecto da convocação. 

§ 6º As assembléas geraes serão presididas por um accionista, eleito na occasião, o qual convidará para secretarios outros accionistas. 

Art. 10. A' assembléa geral fica competindo:

I. Discutir e deliberar sobre as contas do socio gerente solidario e parecer do conselho fiscal.

II. Eleger o conselho fiscal.

III. Resolver sobre todos os assumptos que se entendam com a sociedade, e nos limites da sua responsabilidade e direitos de commanditarios.

IV. Providenciar sobre a substituição do gerente nos casos do art. 154 do Decreto n. 8821 de 30 de Dezembro de 1882.

Art. 11. O conselho fiscal será composto de tres socios commanditarios accionistas, ou não eleitos na assembléa annual ordinaria.

Paragrapho unico. Este conselho exercerá suas funcções, as quaes estão declaradas na Lei de 4 de Novembro e Decreto de 30 de Dezembro de 1882, por um anno.

Art. 12. O socio gerente representa a sociedade em Juizo e fóra delle, e usará exclusivamente da firma social para negocios sociaes e em bem destes.

Art. 13. A morte do socio gerente não dissolve a sociedade commanditaria, competindo em tal caso á assembléa geral nomear outro gerente.

Art. 14. O gerente póde ser substituidor da pessoa de sua confiança e sob sua immediata responsabilidade, nos seus impedimentos temporarios, não excedendo de seis mezes.

Art. 15. Constituirão lucro social o producto liquido da fabrica e seus accessorios, na exploração do objecto declarado no art. 2º deste contracto, sendo deduzidas as despezas geraes, e 10% do lucro liquido annual, dos quaes 5% serão levados á conta do fundo de reserva e 5% á conta de lucros suspensos, para fazer face a prejuizos possiveis ou eventuaes, mas não verificados, salvo ulterior deliberação da assembléa geral.

§ 1º Emquanto não exceder de 30% do capital realizado o lucro liquido annual da sociedade, o socio gerente só terá direito a receber salario fixo de 18:000$ por anno.

§ 2º Durante 10 annos, o lucro liquido annual que exceder de 30% pertencerá exclusivamente ao socio gerente, depois deste prazo será dividido em duas partes iguaes, uma para o socio gerente e a outra para os accionistas na proporção das suas acções.

§ 3º Até 30% do capital realizado, será o lucro liquido annual dividido entre o socio gerente e os commanditarios na proporção do respectivo capital, semestralmente nos mezes de Março e Setembro de cada anno.

Art. 16. O socio gerente obriga-se a adquirir os terrenos precisos á beira-mar em logar onde haja agua sufficiente para atracação de navios de alto bordo e a construir, segundo as regras technicas e as necessidades da empreza social, um edificio adequado ao objecto para que é constituida esta sociedade, e bem assim a supprir todos os precisos apparelhos e machinismos mais aperfeiçoados para os diversos misteres sociaes e com capacidade sufficiente para moer 80 toneladas de trigo e produzir farinha e farello na proporção devida em cada dia de 24 horas.

Paragrapho unico. Obriga-se o socio gerente a adquirir os terrenos, construir o necessario edificio, adquirir os machinismos, emfim entregar á sociedade tudo quanto se entender com a montagem do moinho, sob a immediata fiscalisação do conselho fiscal, em condições de poder bem funccionar conforme se declara em este art. 16, e que tudo ficará pertencendo á sociedade commanditaria, pela quantia estimada e nunca excedente de 600:000$, que poderá ir dispondo á medida das necessidades das obras, machinismos, compra de terrenos, edificio e despezas de installação.

Art. 17. A commissão fiscal perceberá 6% dos dividendos commanditarios repartidos entre si.

Art. 18. Fica expressamente entendido que esta sociedade commanditaria nada tem de commum com o activo e passivo e relações juridicas da sociedade commercial em nome collectivo, que tem girado em esta praça sob a razão social Gianelli & Comp., explorando a industria congenere, e cuja liquidação começará em 1 de Julho deste anno.

Por este contracto se regulará a sociedade commanditaria, em firmeza do que assignam os socios presentes.

Rio de Janeiro, 17 de Fevereiro de 1887. (Seguem-se as assignaturas.)



Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1887

Publicação:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1887, Página 370 Vol. 1 (Publicação Original)

    Esboço das Personalidades de D Carlos e de D Leopoldo Gianelli

     Um interessante documento histórico é o Preito de Saudade à Leopoldo Gianelli, publicado em 27 de dezembro de 1927, onde se descrevem as principais características das personalidades de D. Carlos Gianelli e D. Leopoldo Gianelli. 

     "O ANDALUCIA que hoje chega a Guanabara traz o féretro de D Leopoldo Gianelli fallecido em Paris no dia 20  do mês passado. E o registro da chegada dos despojos do illustre presidente do Moinho Fluminense -illustre pelo caracter e pela inteligencia- leva-nos a traçar a sua personalidade harmoniosa, um escorço resumido mas capaz de fixar alguns aspectos da nobre figura do semeador do bem.

    Mas não é possível falar de D. Leopoldo Gianelli, agora desaparecido, sem recordar uma outra individualidade, mais brilhante, de certo, mais não mais nobre, sem dúvida -a do irmão Carlos, que toda a sociedade do Rio conheceu e admirou porque era um irresistivel polarisador de symphatias.

    A vida d'esses dois irmãos, creadores no Rio, da moderna industria do trigo com a fundação do Moinho Fluminense, em 1887, está tão intimamente associada que seria uma injustiça separar esses dois nomes que a fraternidade do sangue accrescentaram a de comuns aspirações e aos mesmos attributos moraes de inconfundivel superioridade.

    Não eram nascidos no Brasil; mas tendo vindo para nossa terra em plena mocidade aqui se lhes completou suas aspirações e aqui é que o destino de ambos fechou um cyclo de uma benemerita atividade.

    Abriram a sua fábrica na rua Larga de S. Joaquim no prédio alli ainda existente e onde hoje está instalada a fundição São Pedro.

    Isto foi por volta de 1880, e da rapida e segura propseridade d'aquella corajosa iniciativa da inteligencia creadora de Carlos Gianelli, auxiliada pela illimitada dedicação e pela inegualavel proficiencia de seu irmão mais moço nasceu, em 1887, o Moinho Fluminense, que se hoje é uma collosal empresa, com um alto coceito e uma solidez admirável, deve-o exclusivamente a energia realizadora de dois rapazes, que tiveram a afortunada ideia de escolher o Brasil para o campo de sua conjugada obra e de suas legitimas ambições de fortuna.

    Quando o transeunte curioso estaca deante de um grande edificio, com 400 metros corridos de fachada e ouve, quer de dia quer de noite, o resfolegar incessante de seus machinismos e vê sairem, em trens inteiros e caminhões succesivos, nos milhares de sacos brancos o pão de alguns milhares de brasileiros, não imagina de certo que aquella fabrica portentosa, tenha custado o sacrificio de duas existencias, consagradas  totalmente ao exito do seu sonho de mocidade e amarguradas pelos esforços, pelas preocupações, pelas agudas contrariedades, pelas crises inherentes á vida comercial em um meio ainda tão deficientemente apparelhado para a defeza do trabalho organizado.

    No entanto, no Moinho Fluminense duas vidas se consumiram: a primeira de Carlos Gianelli para creal-o e depois para mantel-o na enesquecivel crise geral de 1900, em que as instituicões mais solidas se esboroaram tal qual um castello de cartas; a segunda, de Leopoldo Gianelli para completar a obra de salvação e reerguimento da empresa e para leval- em duas decadas de energia continua e methodica ao estudo da pujança e engrandecimento em que se encontra a empreza desse muitos annos.

                                                 ----------------------------------------------------

    Carlos Gianelli, e quem não o conhecia no Rio de trinta annos atraz?, era um irresistivel CHARMEUR. Onde quer que estivesse, mesmo entre homens de aprimorada cultura, o primeiro lugar era o seu, pelos seus dotes naturaes de irradiante sympathia, pela vivacidade faiscante de sua palestra, pela galhardia das suas attitudes, pela constante emanação de alegria de sua personalidade.

    Montando os fogosos puros-sangue das suas coudelarias era um centauro; nos salões um diplomata; no mundo dos negocios um "gentleman", que sabia alliar com uma tal pericia a defeza dos interesses proprios á resalva dos interesses alheis, que era um prazer tratar de qualquer assumpto com parceiro de tanta fidalguia.

    Nascido em 1855 veio para o Brasil aos 25 annos de idade, depois de haver-se educado na Inglaterra e de haver trabalhado no moinho paterno aqui brilhou pelo caracter e pela operosidade chegando a uma situação de accentuado relevo.

    Depois de crear e engrandecer a sua industria, adquiriu no Estado do Rio a fazenda GUAXINDIBA e fundou a TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, pequena estrada de ferro ligando o municipio de Nictheroy ao de S. Gonçalo, que graças a essa felicissima iniciativa entrou desde então em phase de franca prosperidade valorisando-se extraordinariamente as suas terras e adquirindo a pequena lavoura um surto de progresso que cada vez mais se vae accentuando.

    O  municipio de S. Gonçalo deve considerar Carlos Gianelli como o verdadeiro factor e padroeiro de sua actual prosperidade.

    Carlos Gianelli foi n'essa occasião distinguido pelo seu governo com a nomeação de Consul  do Uruguay no Rio e serviu tambem como secretario da legação do seu pais.

    Um traço caracteristico do cunho de alta elegancia moral das suas attitudes encontra-se no carinho que sempre lhe mereceu o que era de nosso pais e na marcada preferencia que lhe inspirava a terra fluminense que tão bem o acolhera: a palavra "fluminense" ligada as empresas por elle fundadas, o MOINHO FLUMINENSE  e o  TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, demonstram bem o apreço que votava á nossa terra.

    Tambem é de justiça accentuar que para dar um cunho nacional aos seus emprehndimentos cercou-se sempre, na Administração, de brazileiros illustres, entre os quais podemos nomear os Drs. Paulo Cesar de Andrade, Manoel Maria de Carvalho, Belisario Augusto Soares de Souza, Conrado Jacob de Nyemeyer, Francisco Sá e Almirante Alexandrino de Alencar.

                                                -------------------------------------------------------

    Depois da morte de Carlos Gianelli, ficou a Leopoldo o legado de continuar sosinho a tarefa que ambos vinham realisando. Não fraquejou ante as difficuldades; e com uma dedicação sem limites accometeu todos os obstaculos que se lhe apresentaram.

    Venceu pela pertinacia do esforço diuturno, pelo devotamento sem reservas á sua missão, pelo encanto do seu exemplo de operosidade, pela seducção de uma bondade que seria divina, se na terra, pudesse existir attributos divinos.

    Leopoldo Gianelli era a bondade em pessoa. E pela acção d'essa grande força intima que movimentava discretamente, porque tinha um delicado pudor de sua grandeza d'alma, exercia sem o saber o sem o sentir, um prestigio absoluto de quantos o conheciam de perto. 

    Os seus poucos amigos intimos  e os numerosos operarios da grande familia da sua fabrica, esses o conheciam  e o estimavam com sincera amisade; os demais não enxergavam o homem que se refugiava na penumbra da sua modestia e que praticava o bem com um meticuloso sigillo.

    Morrendo aos 63 annos nunca lhe ocorreu a idéa de gosar a vida e concentrava-se no trabalho, porque sentia que seu esforço era o beneficio de centenas de pessoas a que assistia com o seu amparo moral e com seu auxilio material.

    Não faltam louvores para as pessoas generosas que n'um impulso altruista offerecem algumas grammas do proprio sangue para a salvacão da vida alheia em risco.

    Que especie de louvor se haveria então de tecer a um homem que durante toda uma existencia de affectividade levasse a transfudir gotta a gotta, o seu sangue, em renuncias, em benemerencias,  de toda sorte, para crear a felicidad alheia, ou pelo menos, para tornar menos aspera aos outros a estrada da vida?

    Esse homem foi D Leopoldo Gianelli, cujo corpo chega hoje de Paris para ser sepultado no Rio de Janeiro, ao lado da urna funeraria que guarda as cinzas do irmão mais velho, para que juntos na morte, como havia sido na vida,  possam constituir um exemplo precioso de que a fraternidade bem comprehendida e praticada é o grande roteiro da felicidade humana.

                                                                             Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 1927.

    - Copia do Livro Original. -

                                                 


    As Fazendas Guaxindiba e Bom Retiro

    “A fazenda Guaxindiba e a fazenda Bom Retiro eram antigas propriedades dos irmãos  Gianelli que mantinham em suas terras um prado para corridas de cavalos. Ambas foram deixadas em testamento à Congregação Salesiana, posteriormente vendidas. Guaxindiba foi vendida à Companhia Nacional de Cimento Portland e Bom Retiro para a Companhia Agrícola Bom Retiro.” (43) 

    "Merece louvores o gesto do fidalgo uruguaio D. Leopoldo Gianelli, que manteve no terreiro da sua fazenda um prado de corridas, para deleite de seus convidados, da mesma forma que ainda hoje é motivo de orgulho e admiração, a imponente alameda de Fícus Benjamin, ligando a estação de Guaxindiba à sede da Fazenda. Pelo fato de conservar o que havia de tradicional e pitoresco na velha propriedade agrícola e ainda por haver aprimorado todo aquele delicioso conjunto, aumentando a arborização, construindo utilíssimo canal, mantendo vastos gramados, aterrando pântanos, saneando a região e instalando em luxuosas edificação os mais importantes e modernos maquinismos, destinados à fabricação de cimento, é digna de encômios a Companhia Portland. [...] Esse conjunto de maquinarias, modernas edificações e casas coloniais da velha fazenda, além das belezas naturais, completa-se com a fazenda Bom Retiro, ao lado da estação de Guaxindiba, onde as encostas e a planície estão cobertas de laranjas plantadas com o rigor da moderna técnica agrícola, além das plantações outras, as mais diversas, com a mesma orientação, graças aos esforços da Companhia Agrícola Bom Retiro”. (44) 

    (43) PALMIER, op. cit., p.p 69.
    (44) PALMIER, op. cit., p.p 69.70


        Entrada principal da sede da fazenda Guaxindiba, momentos antes de sair para uma caçada.

    terça-feira, 22 de dezembro de 2020

    A Tramway Rural Fluminense

     

                                        



    A TRAMWAY RURAL FLUMINENSE

    Diante da recente emancipação política em fins do século XIX, São Gonçalo engatinha e revela as transformações que a cidade transpira ao se modernizar em seu tempo.

    Os olhos se acostumavam à luz vinda dos postes de iluminação a gás, aos flashes das fotografias, ao escuro dos cinemas. Aos ouvidos cabia absorver a abundância de sotaques, as vozes anônimas dos rádios, as falas distantes dos telefones, e passar impune à polifonia que as aglomerações em trânsito produziam. O aroma dos charutos e cigarros, os perfumes das damas e o suor dos trabalhadores propunham novos desafios ao olfato. 

    A cidade se oferecia à visão, à audição e ao olfato numa velocidade que fazia da abundância de estímulos sensoriais a sua marca. Em contrapartida, o indivíduo se voltava para si. (O’DONNELL, 2007).

    Durante o século XIX, o bonde foi um dos grandes meios de transporte que permitiram às cidades pós Revolução Industrial consolidarem a sua expansão e a sua própria estrutura, delineada a partir das novas funções das cidades com características notadamente urbanas. A disseminação desse processo, no bojo do avanço do poderio capitalista, permitiu a outros países do mundo ocidental experimentar, ainda durante o século XIX, as quimeras do progresso que no Velho Mundo já se avultavam há quase um século.

    O Brasil, embora em embrionário processo de industrialização em fins do século XIX, adota o bonde e os ícones da cidade industrial, como meio de promover a sua própria modernização e inserir-se, ainda que forçosamente, já que se limitava a apropriar apenas os aspectos técnicos, nesse processo. O bonde foi implantado na imensa maioria das capitais brasileiras contribuindo, de forma irrefutável, para consolidar essa urbanização tão desejada em todo o país. 

    E em São Gonçalo não havia sido diferente. Por iniciativa do visionário empresário Carlos Gianelli, muito ligado ao legislativo gonçalense, em 5 de Agosto 1899 (MORRISON, 1989), a sua companhia, TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, tem permissão para operar a linha de bonde à vapor de 15 km de extensão que liga Neves a Alcântara, que forneceu o serviço local ao longo das ruas paralelas da Leopoldina Railway. A seguir, a transcrição da matéria jornalística do Jornal do Brasil, que cobriu o evento:

    “Realizou-se hontem, conforme fora annunciada, a inauguração dos bonds a vapor de S. Gonçalo ao Alcântara. A 1 hora da tarde, em bonds especiais que partiram das Neves, seguiram os convidados e representantes da imprensa, afim de tomarem parte na solenidade da inauguração, e na mesma partida da estação de Sant’Anna um trem especial da Companhia Leopoldina conduzindo o Sr. Quintino Bocayuva (futuro Governador do Estado do Rio de Janeiro entre 1900 e 1903) e outros convidados. O trecho inaugurado achava-se ornamentado com gosto e bem assim as locomotivas. Os convidados foram recebidos no ponto terminal do Alcântara ao espoucar dos foguetes e ao som de duas excellentes bandas de musica militares. Terminada a solinidade da inauguração, regressaram os convidados ao edifício da Câmara Municipal de S. Gonçalo, onde o Sr. Carlos Gianelli, director da companhia, offereceu um profuso banquete, no qual tomaram parte grande número de convivas (...) Ao champagne foram levantados os seguintes brindes: do Sr. Carlos Gianelli à Câmara Municipal de São Gonçalo; do Sr. Nilo Peçanha (futuro Presidente da República entre 14/06/1909 e 15/11/1910), que em nome da Câmara Municipal agradece ao conhecido industrial, Sr. Carlos Gianelli (...)”(Jornal do Brasil, 2.julho. 1900, n.183) 

    É preciso ressaltar a visão de Carlos Gianelli. (Industrial, agricultor e empresário). Nascido em 1855 e desde 1881, logo que aqui chegou, vindo do Uruguai, a sua pátria, dedicou-se ao preparo do trigo importado do estrangeiro com sua empresa Moinho Fluminense (1887), empregara todos os seus esforços no sentido de desenvolver a indústria, chegando a ser um dos seus mais importantes representantes. 

    Dedicou-se também a agricultura, indo empregar os seus inexcedíveis esforços e atividades na Fazenda Guaxindiba, em São Gonçalo. Também exerceu cargo de cônsul e o de secretário da legação do seu país, sendo elevado ao cargo de secretário honorário da legação Oriental. O Sr. Carlos Gianelli, tendo conseguido privilégio para uma linha de bondes à vapor em São Gonçalo, funda a companhia Tramway Rural Fluminense em 1899. Faleceu em 13 de março de 1908, com 53 anos de idade, e foi enterrado no cemitério São João Batista n. 2779, em Botafogo. 

    Os bondes, juntamente com os seus fundadores, foram os promotores do desenvolvimento da cidade gonçalense na primeira metade do século XX, pela facilidade de transporte que ofereciam tão notável progresso, em relação ao transporte de passageiros e cargas, entre os mais importantes centros populosos – Neves – São Gonçalo – Alcântara. A concessão dada a esses beneméritos cooperadores do desenvolvimento de São Gonçalo deve figurar entre as mais valorosas conquistas do progresso que estavam por vir. (Referência: Wilson Santos de Vasconcelos, formado em Sociologia pela UFF, mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/FGV e Doutorado em Ciência Política pela UFF). 

    A CONTRIBUIÇÃO DA TRAMWAY RURAL FLUMINENSE COM A ASCENSÃO INDUSTRIAL E COMERCIAL DE SÃO GONÇALO
    Ainda no auge da produção agrícola das terras gonçalenses a necessidade de conexão e intercâmbio comercial entre as localidades da província era uma demanda crescente. Em paralelo a construção das ferrovias, a construção de ramais de bondes se apresentou como uma alternativa ao melhoramento da logística regional. Em proximidade ao início do século XX, a construção do ramal de bondes conectando Alcântara a Neves foi fator determinante ao desenvolvimento da incipiente estética urbana de São Gonçalo. Nessa esfera, o uruguaio Carlos Gianelli foi a figura responsável pela idealização do bonde a vapor em São Gonçalo e dessa forma, os irmãos Leopoldo e Carlos Gianelli criaram a empresa Tramway Rural Fluminense, a qual obteve a concessão pelo poder público para a instalação do ramal de bondes que conectava Alcântara a Neves (BRAGA, 1998, p.130-1). Deste modo, o ponto final do ramal de bondes em Alcântara contribuiu à afirmação daquele espaço como um núcleo fomentador ao desenvolvimento da localidade, admitindo características de um futuro largo, conforme Braga (1940, p.131) o denominara. Durante a primeira metade do século XX - já elevada à condição de Cidade - os bondes foram peças-chave no desenvolvimento urbano gonçalense. A facilidade no intercâmbio de mercadorias e pessoas entre os núcleos mais populosos da cidade - Alcântara, Centro e Neves - contribuiu a sua ascensão econômica.

    “O progresso de vasta zona de São Gonçalo, e, principalmente, a valorização das suas terras [especialmente em Alcântara] dependeu, durante muito tempo, desse notável melhoramento, o bondinho a vapor, de Neves ao Alcântara, com o desenvolvimento de doze quilômetros” (PALMIER, 1940, p.199).

    Neste contexto, também cabe ressaltar a importância desempenhada pelo rio Alcântara na consolidação do intercâmbio de atividades econômicas pelo porto seco localizado em suas margens. Conforme afirmado por Luiz Palmier (1940), as atividades comerciais dos produtos agrícolas de São Gonçalo eram latentes nos denominados portos secos. Essas instalações eram preferencialmente localizadas nos arrabaldes de estações ferroviárias, pontos finais dos ramais de bondes e praças próximas às propriedades agrícolas. Dentre essas, o porto de Alcântara próximo ao ramal de bondes instalado no antigo Largo do Alcântara era um dos mais movimentados, fato que contribuiu à consolidação do bairro como um núcleo comercial e importante centralidade no desenvolvimento urbano gonçalense (PALMIER, 1940, p.125). Com isso, o processo de consolidação da localidade de Alcântara como um núcleo urbano é enfatizado a partir da instalação das duas estações ferroviárias e a estação final do ramal de bondes da Tramway Rural Fluminense. A partir dos estudos de Braga (1998), pode se considerar o Largo do Alcântara - posteriormente nomeado como praça Carlos Gianelli - como um núcleo circundado por diversas fazendas de produção de gêneros agrícolas e incipiente palco de atividades econômicas, relações sociais e manifestações políticas. Sendo, dessa maneira, um vocacional polo de crescimento urbano e ponto nodal na distribuição de fluxos de pessoas e mercadorias no que se refere à legibilidade (LYNCH, 1960) daquele espaço urbano embrionário.(Referência: Jefferson Tomaz de Araújo - UFF - jeffersontomaz@id.uff.br)





                                            Bonde da Tramway Rural Fluminense
                                            Fonte: autor desconhecido