terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A Tramway Rural Fluminense

 

                                    



A TRAMWAY RURAL FLUMINENSE

Diante da recente emancipação política em fins do século XIX, São Gonçalo engatinha e revela as transformações que a cidade transpira ao se modernizar em seu tempo.

Os olhos se acostumavam à luz vinda dos postes de iluminação a gás, aos flashes das fotografias, ao escuro dos cinemas. Aos ouvidos cabia absorver a abundância de sotaques, as vozes anônimas dos rádios, as falas distantes dos telefones, e passar impune à polifonia que as aglomerações em trânsito produziam. O aroma dos charutos e cigarros, os perfumes das damas e o suor dos trabalhadores propunham novos desafios ao olfato. 

A cidade se oferecia à visão, à audição e ao olfato numa velocidade que fazia da abundância de estímulos sensoriais a sua marca. Em contrapartida, o indivíduo se voltava para si. (O’DONNELL, 2007).

Durante o século XIX, o bonde foi um dos grandes meios de transporte que permitiram às cidades pós Revolução Industrial consolidarem a sua expansão e a sua própria estrutura, delineada a partir das novas funções das cidades com características notadamente urbanas. A disseminação desse processo, no bojo do avanço do poderio capitalista, permitiu a outros países do mundo ocidental experimentar, ainda durante o século XIX, as quimeras do progresso que no Velho Mundo já se avultavam há quase um século.

O Brasil, embora em embrionário processo de industrialização em fins do século XIX, adota o bonde e os ícones da cidade industrial, como meio de promover a sua própria modernização e inserir-se, ainda que forçosamente, já que se limitava a apropriar apenas os aspectos técnicos, nesse processo. O bonde foi implantado na imensa maioria das capitais brasileiras contribuindo, de forma irrefutável, para consolidar essa urbanização tão desejada em todo o país. 

E em São Gonçalo não havia sido diferente. Por iniciativa do visionário empresário Carlos Gianelli, muito ligado ao legislativo gonçalense, em 5 de Agosto 1899 (MORRISON, 1989), a sua companhia, TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, tem permissão para operar a linha de bonde à vapor de 15 km de extensão que liga Neves a Alcântara, que forneceu o serviço local ao longo das ruas paralelas da Leopoldina Railway. A seguir, a transcrição da matéria jornalística do Jornal do Brasil, que cobriu o evento:

“Realizou-se hontem, conforme fora annunciada, a inauguração dos bonds a vapor de S. Gonçalo ao Alcântara. A 1 hora da tarde, em bonds especiais que partiram das Neves, seguiram os convidados e representantes da imprensa, afim de tomarem parte na solenidade da inauguração, e na mesma partida da estação de Sant’Anna um trem especial da Companhia Leopoldina conduzindo o Sr. Quintino Bocayuva (futuro Governador do Estado do Rio de Janeiro entre 1900 e 1903) e outros convidados. O trecho inaugurado achava-se ornamentado com gosto e bem assim as locomotivas. Os convidados foram recebidos no ponto terminal do Alcântara ao espoucar dos foguetes e ao som de duas excellentes bandas de musica militares. Terminada a solinidade da inauguração, regressaram os convidados ao edifício da Câmara Municipal de S. Gonçalo, onde o Sr. Carlos Gianelli, director da companhia, offereceu um profuso banquete, no qual tomaram parte grande número de convivas (...) Ao champagne foram levantados os seguintes brindes: do Sr. Carlos Gianelli à Câmara Municipal de São Gonçalo; do Sr. Nilo Peçanha (futuro Presidente da República entre 14/06/1909 e 15/11/1910), que em nome da Câmara Municipal agradece ao conhecido industrial, Sr. Carlos Gianelli (...)”(Jornal do Brasil, 2.julho. 1900, n.183) 

É preciso ressaltar a visão de Carlos Gianelli. (Industrial, agricultor e empresário). Nascido em 1855 e desde 1881, logo que aqui chegou, vindo do Uruguai, a sua pátria, dedicou-se ao preparo do trigo importado do estrangeiro com sua empresa Moinho Fluminense (1887), empregara todos os seus esforços no sentido de desenvolver a indústria, chegando a ser um dos seus mais importantes representantes. 

Dedicou-se também a agricultura, indo empregar os seus inexcedíveis esforços e atividades na Fazenda Guaxindiba, em São Gonçalo. Também exerceu cargo de cônsul e o de secretário da legação do seu país, sendo elevado ao cargo de secretário honorário da legação Oriental. O Sr. Carlos Gianelli, tendo conseguido privilégio para uma linha de bondes à vapor em São Gonçalo, funda a companhia Tramway Rural Fluminense em 1899. Faleceu em 13 de março de 1908, com 53 anos de idade, e foi enterrado no cemitério São João Batista n. 2779, em Botafogo. 

Os bondes, juntamente com os seus fundadores, foram os promotores do desenvolvimento da cidade gonçalense na primeira metade do século XX, pela facilidade de transporte que ofereciam tão notável progresso, em relação ao transporte de passageiros e cargas, entre os mais importantes centros populosos – Neves – São Gonçalo – Alcântara. A concessão dada a esses beneméritos cooperadores do desenvolvimento de São Gonçalo deve figurar entre as mais valorosas conquistas do progresso que estavam por vir. (Referência: Wilson Santos de Vasconcelos, formado em Sociologia pela UFF, mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/FGV e Doutorado em Ciência Política pela UFF). 

A CONTRIBUIÇÃO DA TRAMWAY RURAL FLUMINENSE COM A ASCENSÃO INDUSTRIAL E COMERCIAL DE SÃO GONÇALO
Ainda no auge da produção agrícola das terras gonçalenses a necessidade de conexão e intercâmbio comercial entre as localidades da província era uma demanda crescente. Em paralelo a construção das ferrovias, a construção de ramais de bondes se apresentou como uma alternativa ao melhoramento da logística regional. Em proximidade ao início do século XX, a construção do ramal de bondes conectando Alcântara a Neves foi fator determinante ao desenvolvimento da incipiente estética urbana de São Gonçalo. Nessa esfera, o uruguaio Carlos Gianelli foi a figura responsável pela idealização do bonde a vapor em São Gonçalo e dessa forma, os irmãos Leopoldo e Carlos Gianelli criaram a empresa Tramway Rural Fluminense, a qual obteve a concessão pelo poder público para a instalação do ramal de bondes que conectava Alcântara a Neves (BRAGA, 1998, p.130-1). Deste modo, o ponto final do ramal de bondes em Alcântara contribuiu à afirmação daquele espaço como um núcleo fomentador ao desenvolvimento da localidade, admitindo características de um futuro largo, conforme Braga (1940, p.131) o denominara. Durante a primeira metade do século XX - já elevada à condição de Cidade - os bondes foram peças-chave no desenvolvimento urbano gonçalense. A facilidade no intercâmbio de mercadorias e pessoas entre os núcleos mais populosos da cidade - Alcântara, Centro e Neves - contribuiu a sua ascensão econômica.

“O progresso de vasta zona de São Gonçalo, e, principalmente, a valorização das suas terras [especialmente em Alcântara] dependeu, durante muito tempo, desse notável melhoramento, o bondinho a vapor, de Neves ao Alcântara, com o desenvolvimento de doze quilômetros” (PALMIER, 1940, p.199).

Neste contexto, também cabe ressaltar a importância desempenhada pelo rio Alcântara na consolidação do intercâmbio de atividades econômicas pelo porto seco localizado em suas margens. Conforme afirmado por Luiz Palmier (1940), as atividades comerciais dos produtos agrícolas de São Gonçalo eram latentes nos denominados portos secos. Essas instalações eram preferencialmente localizadas nos arrabaldes de estações ferroviárias, pontos finais dos ramais de bondes e praças próximas às propriedades agrícolas. Dentre essas, o porto de Alcântara próximo ao ramal de bondes instalado no antigo Largo do Alcântara era um dos mais movimentados, fato que contribuiu à consolidação do bairro como um núcleo comercial e importante centralidade no desenvolvimento urbano gonçalense (PALMIER, 1940, p.125). Com isso, o processo de consolidação da localidade de Alcântara como um núcleo urbano é enfatizado a partir da instalação das duas estações ferroviárias e a estação final do ramal de bondes da Tramway Rural Fluminense. A partir dos estudos de Braga (1998), pode se considerar o Largo do Alcântara - posteriormente nomeado como praça Carlos Gianelli - como um núcleo circundado por diversas fazendas de produção de gêneros agrícolas e incipiente palco de atividades econômicas, relações sociais e manifestações políticas. Sendo, dessa maneira, um vocacional polo de crescimento urbano e ponto nodal na distribuição de fluxos de pessoas e mercadorias no que se refere à legibilidade (LYNCH, 1960) daquele espaço urbano embrionário.(Referência: Jefferson Tomaz de Araújo - UFF - jeffersontomaz@id.uff.br)





                                        Bonde da Tramway Rural Fluminense
                                        Fonte: autor desconhecido

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