quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Esboço das Personalidades de D Carlos e de D Leopoldo Gianelli

 Um interessante documento histórico é o Preito de Saudade à Leopoldo Gianelli, publicado em 27 de dezembro de 1927, onde se descrevem as principais características das personalidades de D. Carlos Gianelli e D. Leopoldo Gianelli. 

 "O ANDALUCIA que hoje chega a Guanabara traz o féretro de D Leopoldo Gianelli fallecido em Paris no dia 20  do mês passado. E o registro da chegada dos despojos do illustre presidente do Moinho Fluminense -illustre pelo caracter e pela inteligencia- leva-nos a traçar a sua personalidade harmoniosa, um escorço resumido mas capaz de fixar alguns aspectos da nobre figura do semeador do bem.

Mas não é possível falar de D. Leopoldo Gianelli, agora desaparecido, sem recordar uma outra individualidade, mais brilhante, de certo, mais não mais nobre, sem dúvida -a do irmão Carlos, que toda a sociedade do Rio conheceu e admirou porque era um irresistivel polarisador de symphatias.

A vida d'esses dois irmãos, creadores no Rio, da moderna industria do trigo com a fundação do Moinho Fluminense, em 1887, está tão intimamente associada que seria uma injustiça separar esses dois nomes que a fraternidade do sangue accrescentaram a de comuns aspirações e aos mesmos attributos moraes de inconfundivel superioridade.

Não eram nascidos no Brasil; mas tendo vindo para nossa terra em plena mocidade aqui se lhes completou suas aspirações e aqui é que o destino de ambos fechou um cyclo de uma benemerita atividade.

Abriram a sua fábrica na rua Larga de S. Joaquim no prédio alli ainda existente e onde hoje está instalada a fundição São Pedro.

Isto foi por volta de 1880, e da rapida e segura propseridade d'aquella corajosa iniciativa da inteligencia creadora de Carlos Gianelli, auxiliada pela illimitada dedicação e pela inegualavel proficiencia de seu irmão mais moço nasceu, em 1887, o Moinho Fluminense, que se hoje é uma collosal empresa, com um alto coceito e uma solidez admirável, deve-o exclusivamente a energia realizadora de dois rapazes, que tiveram a afortunada ideia de escolher o Brasil para o campo de sua conjugada obra e de suas legitimas ambições de fortuna.

Quando o transeunte curioso estaca deante de um grande edificio, com 400 metros corridos de fachada e ouve, quer de dia quer de noite, o resfolegar incessante de seus machinismos e vê sairem, em trens inteiros e caminhões succesivos, nos milhares de sacos brancos o pão de alguns milhares de brasileiros, não imagina de certo que aquella fabrica portentosa, tenha custado o sacrificio de duas existencias, consagradas  totalmente ao exito do seu sonho de mocidade e amarguradas pelos esforços, pelas preocupações, pelas agudas contrariedades, pelas crises inherentes á vida comercial em um meio ainda tão deficientemente apparelhado para a defeza do trabalho organizado.

No entanto, no Moinho Fluminense duas vidas se consumiram: a primeira de Carlos Gianelli para creal-o e depois para mantel-o na enesquecivel crise geral de 1900, em que as instituicões mais solidas se esboroaram tal qual um castello de cartas; a segunda, de Leopoldo Gianelli para completar a obra de salvação e reerguimento da empresa e para leval- em duas decadas de energia continua e methodica ao estudo da pujança e engrandecimento em que se encontra a empreza desse muitos annos.

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Carlos Gianelli, e quem não o conhecia no Rio de trinta annos atraz?, era um irresistivel CHARMEUR. Onde quer que estivesse, mesmo entre homens de aprimorada cultura, o primeiro lugar era o seu, pelos seus dotes naturaes de irradiante sympathia, pela vivacidade faiscante de sua palestra, pela galhardia das suas attitudes, pela constante emanação de alegria de sua personalidade.

Montando os fogosos puros-sangue das suas coudelarias era um centauro; nos salões um diplomata; no mundo dos negocios um "gentleman", que sabia alliar com uma tal pericia a defeza dos interesses proprios á resalva dos interesses alheis, que era um prazer tratar de qualquer assumpto com parceiro de tanta fidalguia.

Nascido em 1855 veio para o Brasil aos 25 annos de idade, depois de haver-se educado na Inglaterra e de haver trabalhado no moinho paterno aqui brilhou pelo caracter e pela operosidade chegando a uma situação de accentuado relevo.

Depois de crear e engrandecer a sua industria, adquiriu no Estado do Rio a fazenda GUAXINDIBA e fundou a TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, pequena estrada de ferro ligando o municipio de Nictheroy ao de S. Gonçalo, que graças a essa felicissima iniciativa entrou desde então em phase de franca prosperidade valorisando-se extraordinariamente as suas terras e adquirindo a pequena lavoura um surto de progresso que cada vez mais se vae accentuando.

O  municipio de S. Gonçalo deve considerar Carlos Gianelli como o verdadeiro factor e padroeiro de sua actual prosperidade.

Carlos Gianelli foi n'essa occasião distinguido pelo seu governo com a nomeação de Consul  do Uruguay no Rio e serviu tambem como secretario da legação do seu pais.

Um traço caracteristico do cunho de alta elegancia moral das suas attitudes encontra-se no carinho que sempre lhe mereceu o que era de nosso pais e na marcada preferencia que lhe inspirava a terra fluminense que tão bem o acolhera: a palavra "fluminense" ligada as empresas por elle fundadas, o MOINHO FLUMINENSE  e o  TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, demonstram bem o apreço que votava á nossa terra.

Tambem é de justiça accentuar que para dar um cunho nacional aos seus emprehndimentos cercou-se sempre, na Administração, de brazileiros illustres, entre os quais podemos nomear os Drs. Paulo Cesar de Andrade, Manoel Maria de Carvalho, Belisario Augusto Soares de Souza, Conrado Jacob de Nyemeyer, Francisco Sá e Almirante Alexandrino de Alencar.

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Depois da morte de Carlos Gianelli, ficou a Leopoldo o legado de continuar sosinho a tarefa que ambos vinham realisando. Não fraquejou ante as difficuldades; e com uma dedicação sem limites accometeu todos os obstaculos que se lhe apresentaram.

Venceu pela pertinacia do esforço diuturno, pelo devotamento sem reservas á sua missão, pelo encanto do seu exemplo de operosidade, pela seducção de uma bondade que seria divina, se na terra, pudesse existir attributos divinos.

Leopoldo Gianelli era a bondade em pessoa. E pela acção d'essa grande força intima que movimentava discretamente, porque tinha um delicado pudor de sua grandeza d'alma, exercia sem o saber o sem o sentir, um prestigio absoluto de quantos o conheciam de perto. 

Os seus poucos amigos intimos  e os numerosos operarios da grande familia da sua fabrica, esses o conheciam  e o estimavam com sincera amisade; os demais não enxergavam o homem que se refugiava na penumbra da sua modestia e que praticava o bem com um meticuloso sigillo.

Morrendo aos 63 annos nunca lhe ocorreu a idéa de gosar a vida e concentrava-se no trabalho, porque sentia que seu esforço era o beneficio de centenas de pessoas a que assistia com o seu amparo moral e com seu auxilio material.

Não faltam louvores para as pessoas generosas que n'um impulso altruista offerecem algumas grammas do proprio sangue para a salvacão da vida alheia em risco.

Que especie de louvor se haveria então de tecer a um homem que durante toda uma existencia de affectividade levasse a transfudir gotta a gotta, o seu sangue, em renuncias, em benemerencias,  de toda sorte, para crear a felicidad alheia, ou pelo menos, para tornar menos aspera aos outros a estrada da vida?

Esse homem foi D Leopoldo Gianelli, cujo corpo chega hoje de Paris para ser sepultado no Rio de Janeiro, ao lado da urna funeraria que guarda as cinzas do irmão mais velho, para que juntos na morte, como havia sido na vida,  possam constituir um exemplo precioso de que a fraternidade bem comprehendida e praticada é o grande roteiro da felicidade humana.

                                                                         Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 1927.

- Copia do Livro Original. -

                                             


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