quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Decreto nº 9.776, de 25 de Agosto de 1887 (Publicação original)

 Autorisa a funccionar a sociedade denominada - Moinho Fluminense - e approva o respectivo contracto.


A Princeza Imperial Regente, em Nome do Imperador, Attendendo ao que Lhe requereram Gianelli &, Comp., e de conformidade com o parecer da Secção dos Negocios do Imperio do Conselho de Estado, exarado em Consulta de 28 de Março do corrente anno, Ha por bem Autorisar a funccionar a sociedade commanditaria por acções denominada - Moinho Fluminense - depois de preenchidas as formalidades ulteriores, e Approvar o respectivo contracto.

Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Magestade o Imperador, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, assim o tenha entendido e faça executar. 

Palacio do Rio de Janeiro em 25 de Agosto de 1887, 66º da Independencia e do Imperio. 

Princeza Imperial Regente. 

Rodrigo Augusto da Silva. 


Contracto da sociedade commanditaria «Moinho Fluminense», sob a razão social de Gianelli & Comp. 

Art. 1º Pelo presente contracto é constituida uma sociedade commanditaria denominada «Moinho Fluminense», sob a razão social Gianelli & Comp. 

Art. 2º O objecto desta sociedade é a exploração da moagem do trigo e outros cereaes em grande escala e promover por todos os meios ao seu alcance a cultura, do cereaes no Brazil, compra e venda dos mesmos artigos. 

Art. 3º A séde da sociedade é na cidade do Rio de Janeiro. 

Art. 4º O prazo ajustado da duração da sociedade começará a contar de 1 de Julho de 1887, dia em que terão começo suas operações, e durará emquanto convier. 

Art. 5º O capital social é de 1.000:000$, para a formação do qual concorreu em dinheiro corrente o socio solidario, gerente exclusivo da firma social, Carlos Gianelli, com 50:000$, e os socios commanditarios adiante assignados, com a somma de 950:000$, dividido em 1.900 acções do valor de 500$ cada uma. 

Art. 6º O socio solidario Carlos Gianelli realizará a sua quota social em duas prestações em dinheiro corrente, uma no acto da constituição da sociedade e a outra restante do 45:000$ no dia 30 de Junho de 1887; e os socios commanditarios realizam as respectivas quotas do seguinte modo: 10% já se acham realizados como deposito equivalante, no London and Brasilian Bank, 15% a 30 dias da data da definitiva constituição da sociedade, 20% no dia 15 de Junho de 1887, 25%, no dia 16 de Agosto de 1887, e o restante á medida que as necessidades sociaes o reclamarem. 

§ 1º Quando se houver de fazer chamadas do restante do capital para seu preenchimento, haverá entre ellas um intervallo pelo menos de 60 dias e não se fará chamada superior a 15% do valor nominal de cada acção. 

§ 2º A falta da entrada de qualquer prestação do capital sujeita o socio commanditario, além da prestação respectiva, á multa mensal de 10% da sua importancia, ou á pena do commisso, a juizo do socio gerente, e o que produzir a multa ou o commisso será creditado na conta do fundo de reserva. 

Art. 7º Nenhum socio poderá dispôr de suas acções ou oneral-as, emquanto dever em atrazo á sociedade qualquer quantia por transacções com a mesma. 

Art. 8º Haverá em dia do mez de Agosto de cada anno uma assembléa geral ordinaria. 

§ 1º Cada acção dá direito a um voto, mas nenhum accionista poderá ter mais do 30 votos em qualquer assembléa. 

§ 2º Cada accionista póde-se fazer representar em qualquer assembléa por especial procurador, accionista ou não. 

Art. 9º Para que possa validamente funccionar e deliberar qualquer assembléa geral, é indispensavel que seja representada a quarta parte do capital emittido. 

§ 1º Si no dia designado não se reunir o numero legal, será convocada outra assembléa, a qual deliberará com qualquer numero de accionistas presentes. 

§ 2º Si se tratar de reforma de estatutos, prorogação ou dissolução da sociedade, só poderá válidamente deliberar a assembléa, si estiver presente um numero de accionistas que represente dous terços do capital emittido; e si nem na 1ª, nem na 2ª convocação estiver representado este capital, será convocada 3ª reunião pela imprensa diaria e por cartas, feito o que poderá a assembléa deliberar válidamente, seja qual fôr o numero de accionistas presentes á 3ª convocação. 

§ 3º As deliberações das assembléas geraes serão tomadas por maioria dos accionistas presentes, mas reclamando qualquer accionista, prevalecerá o que fôr vencido por escrutinio secreto na proporção do capital representado. 

§ 4º As convocações serão motivadas e annunciadas pela imprensa diaria, com antecipação nunca menor de 10 dias. 

§ 5º Nas assembléas extraordinarias que terão lugar quando o gerente convocar, ou o fizerem os accionistas nos termos da legislação vigente, só se tratará do objecto da convocação. 

§ 6º As assembléas geraes serão presididas por um accionista, eleito na occasião, o qual convidará para secretarios outros accionistas. 

Art. 10. A' assembléa geral fica competindo:

I. Discutir e deliberar sobre as contas do socio gerente solidario e parecer do conselho fiscal.

II. Eleger o conselho fiscal.

III. Resolver sobre todos os assumptos que se entendam com a sociedade, e nos limites da sua responsabilidade e direitos de commanditarios.

IV. Providenciar sobre a substituição do gerente nos casos do art. 154 do Decreto n. 8821 de 30 de Dezembro de 1882.

Art. 11. O conselho fiscal será composto de tres socios commanditarios accionistas, ou não eleitos na assembléa annual ordinaria.

Paragrapho unico. Este conselho exercerá suas funcções, as quaes estão declaradas na Lei de 4 de Novembro e Decreto de 30 de Dezembro de 1882, por um anno.

Art. 12. O socio gerente representa a sociedade em Juizo e fóra delle, e usará exclusivamente da firma social para negocios sociaes e em bem destes.

Art. 13. A morte do socio gerente não dissolve a sociedade commanditaria, competindo em tal caso á assembléa geral nomear outro gerente.

Art. 14. O gerente póde ser substituidor da pessoa de sua confiança e sob sua immediata responsabilidade, nos seus impedimentos temporarios, não excedendo de seis mezes.

Art. 15. Constituirão lucro social o producto liquido da fabrica e seus accessorios, na exploração do objecto declarado no art. 2º deste contracto, sendo deduzidas as despezas geraes, e 10% do lucro liquido annual, dos quaes 5% serão levados á conta do fundo de reserva e 5% á conta de lucros suspensos, para fazer face a prejuizos possiveis ou eventuaes, mas não verificados, salvo ulterior deliberação da assembléa geral.

§ 1º Emquanto não exceder de 30% do capital realizado o lucro liquido annual da sociedade, o socio gerente só terá direito a receber salario fixo de 18:000$ por anno.

§ 2º Durante 10 annos, o lucro liquido annual que exceder de 30% pertencerá exclusivamente ao socio gerente, depois deste prazo será dividido em duas partes iguaes, uma para o socio gerente e a outra para os accionistas na proporção das suas acções.

§ 3º Até 30% do capital realizado, será o lucro liquido annual dividido entre o socio gerente e os commanditarios na proporção do respectivo capital, semestralmente nos mezes de Março e Setembro de cada anno.

Art. 16. O socio gerente obriga-se a adquirir os terrenos precisos á beira-mar em logar onde haja agua sufficiente para atracação de navios de alto bordo e a construir, segundo as regras technicas e as necessidades da empreza social, um edificio adequado ao objecto para que é constituida esta sociedade, e bem assim a supprir todos os precisos apparelhos e machinismos mais aperfeiçoados para os diversos misteres sociaes e com capacidade sufficiente para moer 80 toneladas de trigo e produzir farinha e farello na proporção devida em cada dia de 24 horas.

Paragrapho unico. Obriga-se o socio gerente a adquirir os terrenos, construir o necessario edificio, adquirir os machinismos, emfim entregar á sociedade tudo quanto se entender com a montagem do moinho, sob a immediata fiscalisação do conselho fiscal, em condições de poder bem funccionar conforme se declara em este art. 16, e que tudo ficará pertencendo á sociedade commanditaria, pela quantia estimada e nunca excedente de 600:000$, que poderá ir dispondo á medida das necessidades das obras, machinismos, compra de terrenos, edificio e despezas de installação.

Art. 17. A commissão fiscal perceberá 6% dos dividendos commanditarios repartidos entre si.

Art. 18. Fica expressamente entendido que esta sociedade commanditaria nada tem de commum com o activo e passivo e relações juridicas da sociedade commercial em nome collectivo, que tem girado em esta praça sob a razão social Gianelli & Comp., explorando a industria congenere, e cuja liquidação começará em 1 de Julho deste anno.

Por este contracto se regulará a sociedade commanditaria, em firmeza do que assignam os socios presentes.

Rio de Janeiro, 17 de Fevereiro de 1887. (Seguem-se as assignaturas.)



Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1887

Publicação:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1887, Página 370 Vol. 1 (Publicação Original)

    Esboço das Personalidades de D Carlos e de D Leopoldo Gianelli

     Um interessante documento histórico é o Preito de Saudade à Leopoldo Gianelli, publicado em 27 de dezembro de 1927, onde se descrevem as principais características das personalidades de D. Carlos Gianelli e D. Leopoldo Gianelli. 

     "O ANDALUCIA que hoje chega a Guanabara traz o féretro de D Leopoldo Gianelli fallecido em Paris no dia 20  do mês passado. E o registro da chegada dos despojos do illustre presidente do Moinho Fluminense -illustre pelo caracter e pela inteligencia- leva-nos a traçar a sua personalidade harmoniosa, um escorço resumido mas capaz de fixar alguns aspectos da nobre figura do semeador do bem.

    Mas não é possível falar de D. Leopoldo Gianelli, agora desaparecido, sem recordar uma outra individualidade, mais brilhante, de certo, mais não mais nobre, sem dúvida -a do irmão Carlos, que toda a sociedade do Rio conheceu e admirou porque era um irresistivel polarisador de symphatias.

    A vida d'esses dois irmãos, creadores no Rio, da moderna industria do trigo com a fundação do Moinho Fluminense, em 1887, está tão intimamente associada que seria uma injustiça separar esses dois nomes que a fraternidade do sangue accrescentaram a de comuns aspirações e aos mesmos attributos moraes de inconfundivel superioridade.

    Não eram nascidos no Brasil; mas tendo vindo para nossa terra em plena mocidade aqui se lhes completou suas aspirações e aqui é que o destino de ambos fechou um cyclo de uma benemerita atividade.

    Abriram a sua fábrica na rua Larga de S. Joaquim no prédio alli ainda existente e onde hoje está instalada a fundição São Pedro.

    Isto foi por volta de 1880, e da rapida e segura propseridade d'aquella corajosa iniciativa da inteligencia creadora de Carlos Gianelli, auxiliada pela illimitada dedicação e pela inegualavel proficiencia de seu irmão mais moço nasceu, em 1887, o Moinho Fluminense, que se hoje é uma collosal empresa, com um alto coceito e uma solidez admirável, deve-o exclusivamente a energia realizadora de dois rapazes, que tiveram a afortunada ideia de escolher o Brasil para o campo de sua conjugada obra e de suas legitimas ambições de fortuna.

    Quando o transeunte curioso estaca deante de um grande edificio, com 400 metros corridos de fachada e ouve, quer de dia quer de noite, o resfolegar incessante de seus machinismos e vê sairem, em trens inteiros e caminhões succesivos, nos milhares de sacos brancos o pão de alguns milhares de brasileiros, não imagina de certo que aquella fabrica portentosa, tenha custado o sacrificio de duas existencias, consagradas  totalmente ao exito do seu sonho de mocidade e amarguradas pelos esforços, pelas preocupações, pelas agudas contrariedades, pelas crises inherentes á vida comercial em um meio ainda tão deficientemente apparelhado para a defeza do trabalho organizado.

    No entanto, no Moinho Fluminense duas vidas se consumiram: a primeira de Carlos Gianelli para creal-o e depois para mantel-o na enesquecivel crise geral de 1900, em que as instituicões mais solidas se esboroaram tal qual um castello de cartas; a segunda, de Leopoldo Gianelli para completar a obra de salvação e reerguimento da empresa e para leval- em duas decadas de energia continua e methodica ao estudo da pujança e engrandecimento em que se encontra a empreza desse muitos annos.

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    Carlos Gianelli, e quem não o conhecia no Rio de trinta annos atraz?, era um irresistivel CHARMEUR. Onde quer que estivesse, mesmo entre homens de aprimorada cultura, o primeiro lugar era o seu, pelos seus dotes naturaes de irradiante sympathia, pela vivacidade faiscante de sua palestra, pela galhardia das suas attitudes, pela constante emanação de alegria de sua personalidade.

    Montando os fogosos puros-sangue das suas coudelarias era um centauro; nos salões um diplomata; no mundo dos negocios um "gentleman", que sabia alliar com uma tal pericia a defeza dos interesses proprios á resalva dos interesses alheis, que era um prazer tratar de qualquer assumpto com parceiro de tanta fidalguia.

    Nascido em 1855 veio para o Brasil aos 25 annos de idade, depois de haver-se educado na Inglaterra e de haver trabalhado no moinho paterno aqui brilhou pelo caracter e pela operosidade chegando a uma situação de accentuado relevo.

    Depois de crear e engrandecer a sua industria, adquiriu no Estado do Rio a fazenda GUAXINDIBA e fundou a TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, pequena estrada de ferro ligando o municipio de Nictheroy ao de S. Gonçalo, que graças a essa felicissima iniciativa entrou desde então em phase de franca prosperidade valorisando-se extraordinariamente as suas terras e adquirindo a pequena lavoura um surto de progresso que cada vez mais se vae accentuando.

    O  municipio de S. Gonçalo deve considerar Carlos Gianelli como o verdadeiro factor e padroeiro de sua actual prosperidade.

    Carlos Gianelli foi n'essa occasião distinguido pelo seu governo com a nomeação de Consul  do Uruguay no Rio e serviu tambem como secretario da legação do seu pais.

    Um traço caracteristico do cunho de alta elegancia moral das suas attitudes encontra-se no carinho que sempre lhe mereceu o que era de nosso pais e na marcada preferencia que lhe inspirava a terra fluminense que tão bem o acolhera: a palavra "fluminense" ligada as empresas por elle fundadas, o MOINHO FLUMINENSE  e o  TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, demonstram bem o apreço que votava á nossa terra.

    Tambem é de justiça accentuar que para dar um cunho nacional aos seus emprehndimentos cercou-se sempre, na Administração, de brazileiros illustres, entre os quais podemos nomear os Drs. Paulo Cesar de Andrade, Manoel Maria de Carvalho, Belisario Augusto Soares de Souza, Conrado Jacob de Nyemeyer, Francisco Sá e Almirante Alexandrino de Alencar.

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    Depois da morte de Carlos Gianelli, ficou a Leopoldo o legado de continuar sosinho a tarefa que ambos vinham realisando. Não fraquejou ante as difficuldades; e com uma dedicação sem limites accometeu todos os obstaculos que se lhe apresentaram.

    Venceu pela pertinacia do esforço diuturno, pelo devotamento sem reservas á sua missão, pelo encanto do seu exemplo de operosidade, pela seducção de uma bondade que seria divina, se na terra, pudesse existir attributos divinos.

    Leopoldo Gianelli era a bondade em pessoa. E pela acção d'essa grande força intima que movimentava discretamente, porque tinha um delicado pudor de sua grandeza d'alma, exercia sem o saber o sem o sentir, um prestigio absoluto de quantos o conheciam de perto. 

    Os seus poucos amigos intimos  e os numerosos operarios da grande familia da sua fabrica, esses o conheciam  e o estimavam com sincera amisade; os demais não enxergavam o homem que se refugiava na penumbra da sua modestia e que praticava o bem com um meticuloso sigillo.

    Morrendo aos 63 annos nunca lhe ocorreu a idéa de gosar a vida e concentrava-se no trabalho, porque sentia que seu esforço era o beneficio de centenas de pessoas a que assistia com o seu amparo moral e com seu auxilio material.

    Não faltam louvores para as pessoas generosas que n'um impulso altruista offerecem algumas grammas do proprio sangue para a salvacão da vida alheia em risco.

    Que especie de louvor se haveria então de tecer a um homem que durante toda uma existencia de affectividade levasse a transfudir gotta a gotta, o seu sangue, em renuncias, em benemerencias,  de toda sorte, para crear a felicidad alheia, ou pelo menos, para tornar menos aspera aos outros a estrada da vida?

    Esse homem foi D Leopoldo Gianelli, cujo corpo chega hoje de Paris para ser sepultado no Rio de Janeiro, ao lado da urna funeraria que guarda as cinzas do irmão mais velho, para que juntos na morte, como havia sido na vida,  possam constituir um exemplo precioso de que a fraternidade bem comprehendida e praticada é o grande roteiro da felicidade humana.

                                                                             Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 1927.

    - Copia do Livro Original. -

                                                 


    As Fazendas Guaxindiba e Bom Retiro

    “A fazenda Guaxindiba e a fazenda Bom Retiro eram antigas propriedades dos irmãos  Gianelli que mantinham em suas terras um prado para corridas de cavalos. Ambas foram deixadas em testamento à Congregação Salesiana, posteriormente vendidas. Guaxindiba foi vendida à Companhia Nacional de Cimento Portland e Bom Retiro para a Companhia Agrícola Bom Retiro.” (43) 

    "Merece louvores o gesto do fidalgo uruguaio D. Leopoldo Gianelli, que manteve no terreiro da sua fazenda um prado de corridas, para deleite de seus convidados, da mesma forma que ainda hoje é motivo de orgulho e admiração, a imponente alameda de Fícus Benjamin, ligando a estação de Guaxindiba à sede da Fazenda. Pelo fato de conservar o que havia de tradicional e pitoresco na velha propriedade agrícola e ainda por haver aprimorado todo aquele delicioso conjunto, aumentando a arborização, construindo utilíssimo canal, mantendo vastos gramados, aterrando pântanos, saneando a região e instalando em luxuosas edificação os mais importantes e modernos maquinismos, destinados à fabricação de cimento, é digna de encômios a Companhia Portland. [...] Esse conjunto de maquinarias, modernas edificações e casas coloniais da velha fazenda, além das belezas naturais, completa-se com a fazenda Bom Retiro, ao lado da estação de Guaxindiba, onde as encostas e a planície estão cobertas de laranjas plantadas com o rigor da moderna técnica agrícola, além das plantações outras, as mais diversas, com a mesma orientação, graças aos esforços da Companhia Agrícola Bom Retiro”. (44) 

    (43) PALMIER, op. cit., p.p 69.
    (44) PALMIER, op. cit., p.p 69.70


        Entrada principal da sede da fazenda Guaxindiba, momentos antes de sair para uma caçada.

    terça-feira, 22 de dezembro de 2020

    A Tramway Rural Fluminense

     

                                        



    A TRAMWAY RURAL FLUMINENSE

    Diante da recente emancipação política em fins do século XIX, São Gonçalo engatinha e revela as transformações que a cidade transpira ao se modernizar em seu tempo.

    Os olhos se acostumavam à luz vinda dos postes de iluminação a gás, aos flashes das fotografias, ao escuro dos cinemas. Aos ouvidos cabia absorver a abundância de sotaques, as vozes anônimas dos rádios, as falas distantes dos telefones, e passar impune à polifonia que as aglomerações em trânsito produziam. O aroma dos charutos e cigarros, os perfumes das damas e o suor dos trabalhadores propunham novos desafios ao olfato. 

    A cidade se oferecia à visão, à audição e ao olfato numa velocidade que fazia da abundância de estímulos sensoriais a sua marca. Em contrapartida, o indivíduo se voltava para si. (O’DONNELL, 2007).

    Durante o século XIX, o bonde foi um dos grandes meios de transporte que permitiram às cidades pós Revolução Industrial consolidarem a sua expansão e a sua própria estrutura, delineada a partir das novas funções das cidades com características notadamente urbanas. A disseminação desse processo, no bojo do avanço do poderio capitalista, permitiu a outros países do mundo ocidental experimentar, ainda durante o século XIX, as quimeras do progresso que no Velho Mundo já se avultavam há quase um século.

    O Brasil, embora em embrionário processo de industrialização em fins do século XIX, adota o bonde e os ícones da cidade industrial, como meio de promover a sua própria modernização e inserir-se, ainda que forçosamente, já que se limitava a apropriar apenas os aspectos técnicos, nesse processo. O bonde foi implantado na imensa maioria das capitais brasileiras contribuindo, de forma irrefutável, para consolidar essa urbanização tão desejada em todo o país. 

    E em São Gonçalo não havia sido diferente. Por iniciativa do visionário empresário Carlos Gianelli, muito ligado ao legislativo gonçalense, em 5 de Agosto 1899 (MORRISON, 1989), a sua companhia, TRAMWAY RURAL FLUMINENSE, tem permissão para operar a linha de bonde à vapor de 15 km de extensão que liga Neves a Alcântara, que forneceu o serviço local ao longo das ruas paralelas da Leopoldina Railway. A seguir, a transcrição da matéria jornalística do Jornal do Brasil, que cobriu o evento:

    “Realizou-se hontem, conforme fora annunciada, a inauguração dos bonds a vapor de S. Gonçalo ao Alcântara. A 1 hora da tarde, em bonds especiais que partiram das Neves, seguiram os convidados e representantes da imprensa, afim de tomarem parte na solenidade da inauguração, e na mesma partida da estação de Sant’Anna um trem especial da Companhia Leopoldina conduzindo o Sr. Quintino Bocayuva (futuro Governador do Estado do Rio de Janeiro entre 1900 e 1903) e outros convidados. O trecho inaugurado achava-se ornamentado com gosto e bem assim as locomotivas. Os convidados foram recebidos no ponto terminal do Alcântara ao espoucar dos foguetes e ao som de duas excellentes bandas de musica militares. Terminada a solinidade da inauguração, regressaram os convidados ao edifício da Câmara Municipal de S. Gonçalo, onde o Sr. Carlos Gianelli, director da companhia, offereceu um profuso banquete, no qual tomaram parte grande número de convivas (...) Ao champagne foram levantados os seguintes brindes: do Sr. Carlos Gianelli à Câmara Municipal de São Gonçalo; do Sr. Nilo Peçanha (futuro Presidente da República entre 14/06/1909 e 15/11/1910), que em nome da Câmara Municipal agradece ao conhecido industrial, Sr. Carlos Gianelli (...)”(Jornal do Brasil, 2.julho. 1900, n.183) 

    É preciso ressaltar a visão de Carlos Gianelli. (Industrial, agricultor e empresário). Nascido em 1855 e desde 1881, logo que aqui chegou, vindo do Uruguai, a sua pátria, dedicou-se ao preparo do trigo importado do estrangeiro com sua empresa Moinho Fluminense (1887), empregara todos os seus esforços no sentido de desenvolver a indústria, chegando a ser um dos seus mais importantes representantes. 

    Dedicou-se também a agricultura, indo empregar os seus inexcedíveis esforços e atividades na Fazenda Guaxindiba, em São Gonçalo. Também exerceu cargo de cônsul e o de secretário da legação do seu país, sendo elevado ao cargo de secretário honorário da legação Oriental. O Sr. Carlos Gianelli, tendo conseguido privilégio para uma linha de bondes à vapor em São Gonçalo, funda a companhia Tramway Rural Fluminense em 1899. Faleceu em 13 de março de 1908, com 53 anos de idade, e foi enterrado no cemitério São João Batista n. 2779, em Botafogo. 

    Os bondes, juntamente com os seus fundadores, foram os promotores do desenvolvimento da cidade gonçalense na primeira metade do século XX, pela facilidade de transporte que ofereciam tão notável progresso, em relação ao transporte de passageiros e cargas, entre os mais importantes centros populosos – Neves – São Gonçalo – Alcântara. A concessão dada a esses beneméritos cooperadores do desenvolvimento de São Gonçalo deve figurar entre as mais valorosas conquistas do progresso que estavam por vir. (Referência: Wilson Santos de Vasconcelos, formado em Sociologia pela UFF, mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/FGV e Doutorado em Ciência Política pela UFF). 

    A CONTRIBUIÇÃO DA TRAMWAY RURAL FLUMINENSE COM A ASCENSÃO INDUSTRIAL E COMERCIAL DE SÃO GONÇALO
    Ainda no auge da produção agrícola das terras gonçalenses a necessidade de conexão e intercâmbio comercial entre as localidades da província era uma demanda crescente. Em paralelo a construção das ferrovias, a construção de ramais de bondes se apresentou como uma alternativa ao melhoramento da logística regional. Em proximidade ao início do século XX, a construção do ramal de bondes conectando Alcântara a Neves foi fator determinante ao desenvolvimento da incipiente estética urbana de São Gonçalo. Nessa esfera, o uruguaio Carlos Gianelli foi a figura responsável pela idealização do bonde a vapor em São Gonçalo e dessa forma, os irmãos Leopoldo e Carlos Gianelli criaram a empresa Tramway Rural Fluminense, a qual obteve a concessão pelo poder público para a instalação do ramal de bondes que conectava Alcântara a Neves (BRAGA, 1998, p.130-1). Deste modo, o ponto final do ramal de bondes em Alcântara contribuiu à afirmação daquele espaço como um núcleo fomentador ao desenvolvimento da localidade, admitindo características de um futuro largo, conforme Braga (1940, p.131) o denominara. Durante a primeira metade do século XX - já elevada à condição de Cidade - os bondes foram peças-chave no desenvolvimento urbano gonçalense. A facilidade no intercâmbio de mercadorias e pessoas entre os núcleos mais populosos da cidade - Alcântara, Centro e Neves - contribuiu a sua ascensão econômica.

    “O progresso de vasta zona de São Gonçalo, e, principalmente, a valorização das suas terras [especialmente em Alcântara] dependeu, durante muito tempo, desse notável melhoramento, o bondinho a vapor, de Neves ao Alcântara, com o desenvolvimento de doze quilômetros” (PALMIER, 1940, p.199).

    Neste contexto, também cabe ressaltar a importância desempenhada pelo rio Alcântara na consolidação do intercâmbio de atividades econômicas pelo porto seco localizado em suas margens. Conforme afirmado por Luiz Palmier (1940), as atividades comerciais dos produtos agrícolas de São Gonçalo eram latentes nos denominados portos secos. Essas instalações eram preferencialmente localizadas nos arrabaldes de estações ferroviárias, pontos finais dos ramais de bondes e praças próximas às propriedades agrícolas. Dentre essas, o porto de Alcântara próximo ao ramal de bondes instalado no antigo Largo do Alcântara era um dos mais movimentados, fato que contribuiu à consolidação do bairro como um núcleo comercial e importante centralidade no desenvolvimento urbano gonçalense (PALMIER, 1940, p.125). Com isso, o processo de consolidação da localidade de Alcântara como um núcleo urbano é enfatizado a partir da instalação das duas estações ferroviárias e a estação final do ramal de bondes da Tramway Rural Fluminense. A partir dos estudos de Braga (1998), pode se considerar o Largo do Alcântara - posteriormente nomeado como praça Carlos Gianelli - como um núcleo circundado por diversas fazendas de produção de gêneros agrícolas e incipiente palco de atividades econômicas, relações sociais e manifestações políticas. Sendo, dessa maneira, um vocacional polo de crescimento urbano e ponto nodal na distribuição de fluxos de pessoas e mercadorias no que se refere à legibilidade (LYNCH, 1960) daquele espaço urbano embrionário.(Referência: Jefferson Tomaz de Araújo - UFF - jeffersontomaz@id.uff.br)





                                            Bonde da Tramway Rural Fluminense
                                            Fonte: autor desconhecido