domingo, 14 de janeiro de 2024

Fundação e Desenvolvimento do Moinho Fluminense pelos irmãos Carlos e Leopoldo Gianelli (período de 25/08/1887 à 20/11/1927)

                                                           

                                                        

Carlos Gianelli
                                                                  
                                                 CARLOS GIANELLI ONETO
                                                   (08/12/1854 -14/03/1908)


MARCO HISTÓRICO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Há mais de um século, um conjunto de prédios em frente ao cais do porto figura proeminente na paisagem e na história do Rio de Janeiro. Inaugurado quando o País ainda era Império, e a cidade, sua capital,  a primeira fábrica de farinha de trigo do Brasil teve seu alvará de funcionamento concedido pela Princesa Isabel, em 25 de agosto de 1887.  Fruto do empreendedorismo dos irmãos uruguaios Carlos e Leopoldo Gianelli, o Moinho Fluminense  por exatos 100 anos funcionaria ali, naquele conjunto de fábricas, armazéns e silos hoje tombado pelo patrimônio histórico e arquitetônico do bairro da Saúde. Palco e testemunha de guerras, revoluções sociais, mudanças de regime e crises financeiras mundiais, o Moinho Fluminense foi também ponta de lança de enormes avanços industriais que ajudaram a movimentar a economia nacional e trazer o Brasil para o século XXI. 

CHEGADA DE CARLOS GIANELLI AO BRASIL
Giacomo Gianelli nascera em 1820, na cidade Castiglione Chiavarese, numa família de moleiros. Até hoje, lá existe a padaria Antico Panificio Gianelli, onde se pode apreciar o "pane buono". Movido pela vontade de levar vantagem a partir de seus conhecimentos na área da moagem, ele decide emigrar, com o irmão Cristóforo, para a Argentina. Chegados na América, os dois irmãos vão traduzir respectivamente seus nomes para Santiago e Cristóbal. Em Buenos Aires, o moleiro investe num moinho próprio e se casa com Carlotta Oneto, também filha de um moleiro italiano. Em 1849, o casal se muda para o Uruguai. Dois anos depois, eles desenvolvem seu primeiro estabelecimento em Montevidéu: Molinos Gianelli. Vinte anos se passam, e a ideia de modernizar a empresa motiva Santiago Gianelli a viajar para a Itália, de onde traz novos maquinários e equipamentos. Os Molinos Gianelli conquistam prêmios nas exposições de Londres (1862), Paris (1878) e Barcelona (1888), onde os produtos são apresentados. Tais reconhecimentos e a boa situação econômica estimulam o empreendedor a expandir suas atividades de forma a abranger outros mercados da América do Sul. Como o capital investido é de origem familiar, na governança dos novos moinhos impõe-se, como condição necessária, que a gestão seja atribuída aos filhos.

No âmbito do ambicioso projeto de Santiago Gianelli de construir o primeiro moinho do Brasil, insere-se a vinda de Carlos Gianelli, em 1880, para o Rio de Janeiro. No currículo do jovem recém-chegado, junto à experiência adquirida em Montevidéu na firma familiar, há conhecimentos técnicos aprendidos no período de estudos na Inglaterra. Carlos Gianelli tem 25 anos quando chega ao Rio de Janeiro. Com a experiência adquirida na indústria do pai em Montevidéu, Carlos, auxiliado por Leopoldo que pouco tempo depois desembarcara no Rio de Janeiro  para associar-se ao irmão, abre seu primeiro moinho de beneficiamento de trigo em um prédio da antiga Rua Larga de São Joaquim, atual Rua Marechal Floriano, Centro do Rio de Janeiro.

PRIMEIRO SURTO INDUSTRIAL NO BRASIL
No Brasil, o primeiro surto industrial se dá entre 1880 e 1890. O Rio de Janeiro, capital e primeira cidade do país, com quase meio milhão de habitantes, se apresenta como berço ideal para o novo processo. Além de sede da corte, a cidade é favorecida pela peculiar posição geográfica, graças ao seu porto natural, entre os mais importantes do Atlântico Sul. Do ponto de vista financeiro e comercial, a acumulação de capital decorrente da cafeicultura ou dos negócios de comércio exterior e a facilidade de financiamento pelos grandes bancos, cujas sedes se localizam na cidade, se juntam à disponibilidade de mão de obra proveniente da imigração interna e externa ao país. No que concerne ao mercado de consumo, devido à presença da rede ferroviária, é possível abranger, além da capital, a região servida pela linha férrea. Outro fator de extrema importância para o funcionamento da moderna indústria é a presença da energia a motor em substituição à água. São comuns novos estabelecimentos nas proximidades das fontes de energia.
Assim, em poucos anos, fábricas, moinhos, máquinas a vapor e estradas de ferro espalharam-se por diferentes áreas, introduzindo, no tecido urbano de marco colonial, uma nova escala de grandeza. Enquanto as indústrias de tecelagem privilegiavam áreas próximas a fontes de água, como os bairros Laranjeiras, Jardim Botânico e Bangu, o Centro, área de negócios, foi priorizado por oficinas, gráficas, metalúrgicas, fundições e indústria alimentar. Dessa última categoria, faz parte o Moinho Fluminense.

FUNDAÇÃO DA GIANELLI & CIA
Nesse cenário tão promissor, poucos anos são suficientes para Carlos Gianelli se ambientar ao clima carioca e se integrar ao meio financeiro da cidade. Resultado disso é seu contrato de sociedade com o banqueiro e industrial brasileiro Francisco de Paula Mayrink, firmado em 1883. Segundo os termos do contrato social, Carlos Gianelli entrava na sociedade com sua indústria, calculada em Rs. 800:000, enquanto o brasileiro Mayrink investia Rs. 200:000. No dia 11 de julho de 1883, três anos após sua chegada, Carlos Gianelli se associa a Francisco de Paula Mayrink para fundar a Gianelli & Cia., com contrato social registrado na Junta Comercial da Corte.

INAUGURAÇÃO DO MOINHO FLUMINENSE
Os irmãos Gianelli deslocam sua indústria de moagem para a Rua da Saúde, atual Rua Sacadura Cabral, no bairro da Saúde, zona portuária do Rio de Janeiro. As novas instalações ficam no prédio Nº 170, adquirido por 60 mil réis ao proprietário Benjamin Wolf Moss (que precisou rescindir o contrato com o então arrendatário, indenizado com a quantia de 3 mil réis), e no terreno vizinho, Nº 172, adquirido por 70 mil réis à Arthur Moss & Cia. (A quitação plena e geral da hipoteca dos imóveis seria lavrada em 18 de março de 1890.) É fundada então a sociedade comanditária Moinho Fluminense, a primeira fábrica de moagem de trigo do Brasil, que tem como principais acionistas a Gianelli & Cia. (400 ações), Leopoldo Gianelli (180 ações), as empresas Phipps Irmãos & Cia., Duvivier & Cia. e John Pethy & Cia. (100 ações cada), Carlos Gianelli (90 ações), o cônsul Érico A. Pena (50 ações) e o Visconde de Carapebris (40 ações). No dia 25 de agosto de 1887,  a nova sociedade ganha o alvará de funcionamento, concedido pela Princesa Isabel, dando início às operações e à história do Moinho Fluminense (o decreto seria publicado no Diário Oficial do dia 1º de setembro de 1887). A capacidade de processamento de trigo do Moinho Fluminense no início de seu funcionamento era de 80 toneladas por dia, chegando, em setembro de 1888, a triturar de 110 a 120 toneladas de trigo diariamente.

POLÍTICA PIONEIRA DE DISTRIBUIÇÃO DE MELHORES SEMENTES PARA OS AGRICULTORES
Instalado em um prédio de cinco andares projetado por Antonio Jannuzzi, na época um dos melhores arquitetos do Rio de Janeiro, o Moinho Fluminense é o primeiro moinho industrial moderno do País. Seu moderno e eficiente maquinário vem importado da fábrica Thomas Robinson & Son, de Rochdale, Inglaterra. Sua produção não é comercializada diretamente com o grande público, sendo distribuída exclusivamente pela firma John Moore & Cia., com sede na Rua Candelária, Nº 92, Centro do Rio de Janeiro. Já nos primeiros anos, o Moinho Fluminense apresenta bom desempenho: em 1888, pagas todas as despesas e separados os montantes destinados aos lucros suspensos e ao fundo de reserva, os associados ganham dividendos da ordem de 14%. A concorrência limita-se ao Moinho Inglês, então a única outra empresa dedicada à industrialização do trigo na cidade do Rio de Janeiro. Para fomentar o cultivo do grão no País, os irmãos Gianelli decidiram que o Moinho Fluminense passasse a distribuir sementes da melhor qualidade a agricultores das regiões Nordeste (PE) e Sul (PR, SC, RS). Note-se que essa politica pioneira adotada pelo Moinho Fluminense a partir de 1890 de distribuir melhores sementes para os agricultores para melhorar a produtividade e a qualidade do trigo nacional se consolidou definitivamente no Brasil com a criação da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em 07 de Dezembro de 1972, com a missão de "Viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira". Foi a partir de pesquisas cientificas no setor agropecuário realizadas  pelos 2.444 pesquisadores da EMBRAPA trabalhando em centros de pesquisa espalhados em quase todos os estados brasileiros que foi possível elaborar técnicas e insumos capazes de tornar o Brasil o terceiro maior produtor de alimentos e o segundo maior exportador de alimentos do mundo; havendo uma previsão de que a partir de 2030 poderá se tornar o maior produtor de alimentos do mundo. 

O MOINHO FLUMINENSE SE TORNA S.A.
Em 1889, a empresa anexa um prédio próximo à sua fábrica no Nº 176, adquirido por 65 mil réis à dona Maria Joaquina Duarte e torna-se sociedade anônima. A S.A. Moinho Fluminense tem como primeiro diretor-presidente o seu fundador, Carlos Gianelli.

A FACHADA DO MOINHO FLUMINENSE
Antes do Aterro e da construção do cais do porto, o mar vinha bater à porta do Moinho Fluminense. A fachada do Moinho Fluminense foi um projeto e construção de Antonio Jannuzzi, Irmão & Co. O prédio original do Moinho Fluminense com cinco andares foi construído em 1887; em 1896, a construção do prédio da Administração; em 1912 a construção do Silo Nº 1, do túnel ligando o Porto ao Parque Industrial e do elevador para descarga dos navios. A fachada do Moinho Fluminense foi modernizada em 1913, após acréscimo de mais quatro andares sobre o original. Em 1926, a construção do Silo Nº 2. 

CARLOS GIANELLI ABRE A ROTA DE COMPRA DE TRIGO DO URUGUAI E DA ARGENTINA
Relatório referente ao período de 1º de abril de 1889 a 30 de setembro de 1891 registra preocupação que perduraria em anos seguintes: a política tarifária do País estaria gerando frequentes oscilações do câmbio, elevando o preço do trigo importado (e encarecendo as mercadorias do Moinho Fluminense) ao mesmo tempo em que dava estímulos à penetração, no mercado nacional, de farinhas de trigo estrangeiras. Por outro lado, negociações do diretor-presidente Carlos Gianelli com produtores de trigo na região do Rio da Prata logram importante conquista para a empresa. Se até então a S.A. Moinho Fluminense importava trigo principalmente de Nova York, da Nova Zelândia e da Região do Báltico, o Prata passa a oferecer uma alternativa de fonte de matéria-prima mais próxima e com maior segurança contra danificação do cereal (causada pelo depósito em celeiros expostos aos rigores do clima naquelas outras regiões). Isto foi possível porque Henrique Gianelli, irmão de Carlos e Leopoldo era Presidente do Molinos Gianelli, maior moinho de trigo na época  em Montevidéu- Uruguai. Henrique Gianelli, naturalmente conhecia e tinha contato com os maiores produtores de trigo do Uruguai e da Argentina para abastecer de matéria prima o moinho fundado pelo seu pai, Giácomo Gianelli que tinha migrado para o Uruguai em 1849 e fundado o Molinos Gianelli. Note-se que a abertura da rota de compra de trigo do Uruguai e da Argentina foi um acontecimento histórico que se consolidaria ao longo  do século XX e até nossos dias. Em 2019, 83%  (6, 6 milhões de toneladas) das importações de trigo do Brasil procederam da Argentina. E a oscilação na política tarifária sobre o trigo é um problema que persiste até agora tal como acontecia em 1889.  Em Junho de 2019, o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex), órgão deliberativo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), autorizou uma cota adicional de importação de 450 mil toneladas de trigo de fora do Mercosul sem Tarifa Externa Comum (TEC) de 10%. A decisão do governo brasileiro de ampliar a cota para a importação de trigo de fora do Mercosul gerou protesto dos produtores e exportadores da Argentina – principal fornecedor do cereal para o Brasil. Essas indas e vindas na politica tarifária brasileira em relação à importação de trigo continua provocando até hoje grandes incertezas tanto nos fornecedores de trigo quanto nos importadores de trigo do Brasil. O relatório do Moinho Fluminense no período 1889/1891 aponta  entre os maiores consumidores dos produtos da empresa,  os mercados do Rio de Janeiro, de São Paulo embora cite embaraços no transporte da farinha ao mercado paulista via estrada de ferro Central do Brasil e do Rio Grande do Sul

CONCORRÊNCIA ESTRANGEIRA
Relatório referente ao ano de 1892 e início de 1893 segue indicando a concorrência de farinhas importadas como um desafio às finanças da empresa. Além de apresentarem menor qualidade e, portanto, preços reduzidos, as farinhas estrangeiras chegam ao País em sacos e barricas livres de direitos diferentemente dos produtos do Moinho Fluminense, que precisa importar sacos, devido ao preço não compensador cobrado pelo fabricante nacional de sacaria. Ainda assim, no segundo semestre de 1892, após pagos os dividendos (3%), os lucros distribuídos aos acionistas atingem 28% do capital. Somados aos 14% repartidos durante o período em que a empresa era sociedade comanditária, totalizam 42% até então. 

RUI BARBOSA SE REFUGIA NO MOINHO FLUMINENSE
A Revolta da Armada foi um levante da Marinha brasileira - apoiado supostamente pela oposição monarquista -, que, insatisfeita com a recém-proclamada República, exigia a renúncia do presidente Floriano Peixoto. O restante das forças armadas, no entanto, assim como grande parcela da sociedade civil, apoiou o novo Presidente, e a Revolta acabou sufocada no prazo de seis meses. No ano de 1893, durante a Revolta da Armada , enfrentamento bélico entre a Marinha e o Exército do Presidente Floriano Peixoto, o Ministro da Fazenda Ruy Barbosa, considerado o mentor da revolta, refugia-se  dentro do Moinho Fluminense, com a ajuda do amigo Carlos Gianelli. Ameaçado de prisão, em 1º de outubro, Rui Barbosa parte para Chile e o Jornal do Brasil do qual era Redator-Chefe é fechado. Rui Barbosa (05/08/1849- 01/03/1923) foi um intelectual, político, advogado, jornalista, diplomata, orador e escritor brasileiro e uma das mais importantes figuras na história do Brasil, pois participou da fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual foi presidente, após a morte de Machado de Assis.

REVOLTA DA ARMADA AGRAVA DIFICULDADES 
Em 1893, o enfrentamento bélico entre a Marinha e o Exército do Presidente Floriano Peixoto, a chamada Revolta da Armada, que tem como palco principal a Baía de Guanabara traz novos e graves transtornos para as atividades da S.A. Moinho Fluminense. O Moinho se torna cenário e personagem do combate; tropas de guarnição do litoral e da polícia portuária ocupam as dependências da empresa; trincheiras são construídas sobre a ponte de embarque e desembarque da fábrica; tiros são disparados em direção ao moinho, atingindo telhados, caldeiras e os próprios funcionários. Como consequência, o desembarque da matéria-prima no porto é prejudicado, a remessa de farinha para a Região Sul deixa de ser feita, após interceptação da via marítima, e a estrada de ferro Central do Brasil deixa de prestar o serviço regular de transporte das mercadorias para o interior fluminense e paulista. Some-se a isso o câmbio desfavorável e um convênio firmado entre os governos brasileiro e americano, que favorece a importação de farinhas de trigo americanas, e o Moinho Fluminense se vê obrigado a reduzir sua moagem e, consequentemente, seu lucro. No segundo semestre de 1893, a empresa não apresenta lucro em suas atividades. No ano seguinte, contudo, a empresa volta a apresentar lucros suficientes para saldar os juros de suas dívidas, consolidada e flutuante, e operar pequenos abatimentos na última.

DEPÓSITO DE FARINHAS DO MOINHO FLUMINENSE NO RIO DE JANEIRO
Para aumentar lucros, a empresa elimina intermediários, estabelecendo distribuidoras em cidades consumidoras e vendendo seus produtos diretamente a padeiros . Os anos seguintes veem o Moinho Fluminense superar os desafios agravados pela guerra na Baía de Guanabara e navegar mares mais calmos. Atendendo a reivindicações do setor moageiro, o Congresso Nacional isenta ás empresas da taxa de expediente sobre o trigo. O mercado consumidor cresce, a ponto de, em 1896, a empresa não dar conta da demanda de seus clientes. (No mesmo ano, o jornal O Paiz informa que a S.A. Moinho Fluminense teria comprado toda a produção de trigo de Montevidéu, no Uruguai.) No ano seguinte, o maquinário da empresa contabiliza então 33 moinhos, 20 purificadores, 30 centrífugas e cernideiras, 20 máquinas de peneirar, 8 máquinas de ensacar farinha e farelo, 40 máquinas para limpar o trigo, 23 aspiradores e ventiladores e 4 balanças automáticas. Em agosto de 1897, o relatório da diretoria à assembleia geral de acionistas revela que a produção teria mantido os níveis de exercícios anteriores e que a estratégia da empresa de evitar ao máximo os intermediários comprando diretamente de produtores e vendendo diretamente a padeiros teria dado lucro. Ainda em 1897, soldados provenientes da campanha de Canudos (BA) retornam à capital e se instalam em habitações precárias no Morro da Providência, próximo ao Ministério do Exército e ao Moinho Fluminense (ao fundo). Segundo alguns historiadores, tendo se aquartelado durante a batalha no sertão baiano em um morro chamado Favela recoberto por arbusto rasteiro de mesmo nome, eles teriam batizado a nova morada também de favela. Segundo essa versão, seria a primeira favela do Brasil

OPERAÇÃO A TODO VAPOR. 
O relatório de fins de agosto de 1898 indica uma produção regular, operação ininterrupta do maquinário e finanças positivas: após pagos os juros de capital tomado a crédito; após atendido o serviço de amortização das debêntures e pagos os respectivos juros; e após ser reservada elevada soma para a conta de lucros suspensos (necessária para resguardar a empresa de adversidades futuras); o Moinho Fluminense distribui dividendos de 7% aos acionistas. Com isso, desde a instalação da sociedade comanditária, os dividendos distribuídos pela empresa totalizariam então 70% de seu capital social. No mesmo ano, a empresa tem como maior concorrente a Moinhos e Granéis do Rio de Janeiro. Em 1899, a empresa anuncia que irá aumentar o movimento de moagem das máquinas devido à ampliação da clientela. Além disso, novas solicitações de lavradores por sementes indicam que os esforços da empresa em fomentar o cultivo de trigo nos campos do País começaram a dar resultados. As primeiras décadas do século XX reservariam, no entanto, mais dificuldades. 

DESAFIOS ECONÔMICOS NO  INÍCIO DOS ANOS DE 1900 
No primeiro semestre do ano de 1900, a diretoria da S. A. Moinho Fluminense comunica a assembleia de acionistas a decisão do Governo Federal de retirar a pequena proteção concedida ao setor moageiro, tributando pesadamente a entrada do trigo em grão no território nacional. A medida novamente favorece a concorrência estrangeira; o aumento do preço do trigo no mercado internacional tampouco ajuda. A conjuntura econômica, somada à necessidade de uma série de amplas reformas nas instalações do Moinho Fluminense, faz com que durante a maior parte das duas primeiras décadas do século XX a empresa decida não distribuir dividendos aos acionistas. Apenas em março de 1918 a diretoria voltaria a propor o pagamento de dividendos de 10% sobre o capital social. 

RODRIGUES ALVES ANUNCIA A REFORMA DOS PORTOS NACIONAIS
 Em dezembro de 1902, Rodrigues Alves assume a Presidência da República e, em mensagem ao Congresso Nacional, anuncia a intenção de melhorar os portos nacionais, a começar pelo do Rio de Janeiro. A obra envolveria o aterro de mais de três quilômetros de faixa costeira, dando origem a várias pequenas baías entre a ponta de São Bento e a de São Cristóvão, e favoreceria o Moinho Fluminense por ampliar os terrenos adjacentes à indústria, permitindo a extensão de suas instalações. As obras de ampliação do porto aconteceriam ao longo da década, sendo o novo Porto do Rio de Janeiro inaugurado em 20 de julho de 1910. 

REVOLTA DA VACINA AFETA A PRODUÇÃO DO MOINHO FLUMINENSE
Em meados de 1904, chegava a 1.800 o número de internações devido à varíola no Hospital São Sebastião. Mesmo assim, as camadas populares rejeitavam a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. E ainda corria o boato de que quem se vacinava ficava com feições bovinas. Então, em junho de 1904, Oswaldo Cruz motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional. Após intenso bate-boca no Congresso, a nova lei foi aprovada em 31 de outubro e regulamentada em 9 de novembro.Em 5 de novembro, foi criada a Liga Contra a Vacinação Obrigatória. Cinco dias depois, estudantes aos gritos foram reprimidos pela polícia. Durante a Revolta da Vacina, a população monta barricadas entre 10 e 16 de novembro de 1904 em frente ao Moinho Fluminense contra a vacinação obrigatória instituída pelo diretor- -geral de Saúde Pública, o médico Oswaldo Cruz. No dia 11, já era possível escutar troca de tiros. No dia 12, havia muito mais gente nas ruas e, no dia 13, o caos estava instalado no Rio. Após um saldo total de 945 prisões, 461 deportados, 110 feridos e 30 mortos em menos de duas semanas de conflitos, Rodrigues Alves se viu obrigado a desistir da vacinação obrigatória.

FALECIMENTO DE CARLOS GIANELLI
Acometido por grave doença, não diagnosticada, em 1906, Carlos Gianelli é levado para tratamento na Europa, ficando o seu irmão Leopoldo com o cargo de diretor-presidente do Moinho Fluminense. O fundador da empresa morreria dois anos depois, em 1908, ainda fora do Brasil. 

PARTICIPAÇÃO NA EXPOSIÇÃO NACIONAL 
Organizada no Rio de Janeiro entre 11 de agosto e 15 de novembro de 1908, no bairro da Urca, a Exposição Nacional Comemorativa do 1º Centenário da Abertura dos Portos do Brasil conta com a presença do Moinho Fluminense, que expõe pequenos sacos e frascos de cristal com amostras de farinha de trigo, semolinas, farelo, farelinho, etc. A participação no evento confirma a importância da empresa para a economia nacional de então ao final daquela década. Além da elevada produção em termos de moagem de trigo, o Moinho emprega aproximadamente 150 pessoas e consome, anualmente, em torno de 1 milhão de metros de pano nacional, de uma então emergente indústria têxtil brasileira.

A MULTINACIONAL BUNGE & BORN ADQUIRE A MAIORIA DAS AÇÕES
 Em 1914, a multinacional holandesa Bunge & Born presente no Brasil desde 30 de setembro de 1905, quando da fundação da S. A. Moinho Santista Indústrias Gerais adquire a maioria das ações  da S. A. Moinho Fluminense e passa a controlar a sua produção, embora  D Leopoldo Gianelli continue na função de Diretor-Presidente da S.A. Moinho Fluminense até o final dos seus dias. Em 1925, a capacidade de moagem do Moinho Fluminense alcança  200 toneladas de trigo por dia. 

REFORMAS E RELAÇÃO COM O CONSUMIDOR A PARTIR DO INÍCIO DOS ANOS DE 1920 
Durante o início dos anos 1920, a empresa segue investindo em melhorias de suas instalações e equipamentos. Foi o primeiro moinho a fabricar farinha com o uso de cilindros no Brasil. Em 1923, terminadas as reformas no Moinho Fluminense, mesmo operando em capacidade máxima de moagem, a empresa mal consegue dar conta da demanda. Em 1924, o Moinho cria uma seção de vendas e passa a lidar diretamente com os clientes. Até aproximadamente 1924, a farinha de trigo era acondiciona em barricas de 44 quilos, sistema remanescente da época em que o produto era importado de outros países; posteriormente, passou-se a utilizar sacos, mudança que desagradou aos consumidores, dado que as barricas de madeira se prestavam a múltiplas utilidades.

FALECIMENTO DE LEOPOLDO GIANELLI
Em 20 de novembro de 1927, morre em Paris, Leopoldo Gianelli, fundador e então diretor-presidente da S. A. Moinho Fluminense, após uma intervenção cirúrgica à qual não resistiu. Os seus restos mortais chegaram ao Rio de Janeiro no navio "Andalucia", no dia 22 de Dezembro de 1927. Após o falecimento de D Leopoldo Gianelli, assume a Presidência da empresa um executivo da  multinacional Bunge & Born, encerrando-se, portanto, a participação dos irmãos Carlos e Leopoldo Gianelli na gestão do Moinho Fluminense.

O PRÉDIO DO MOINHO FLUMINENSE É TOMBADO 
O prédio do Moinho Fluminense, de rara beleza arquitetônica, considerado um exemplo clássico da bela arquitetura industrial inglesa, foi tombado pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1987. (Fotografia do Antigo Moinho Fluminense de Augusto Malta)

Fonte da pesquisa: Relatórios Periódicos do Moinho Fluminense 


                                                LEOPOLDO GIANELLI ONETO
                                                        (1864 - 20/11/1927)



       

O Moinho Fluminense nas Lentes dos Mais Importantes Fotógrafos do Rio de Janeiro





 Projeto do maquinário para o Moinho Fluminense da firma Thomas   Robinson & Son- 1887.




Esta fotografia foi tirada durante a Revolta da Armada, em 1893. Da esquerda para a direita, o Morro da Saúde com a antiga Igreja da Nossa Senhora da Saúde, que data de 1742; o Largo da Harmonia e o Moinho Fluminense. No panorama de Marc Ferrez, a fachada lateral do Moinho Fluminense se diferencia do restante da paisagem carioca pela altura de cinco andares, incomum para a época, e a sequência em três módulos iguais, com forte declive dos telhados, elementos pertencentes ao vocabulário da arquitetura industrial inglesa. Vista da Prainha e Saúde, Gamboa. Foto de Marc Ferrez, 1893. COLEÇÃO GILBERTO FERREZ. ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES




Nesta foto do final do século XIX, de Marc Ferrez, à esquerda, veem-se as velhas docas antes da construção do cais atual. Onde estão atracados os barcos e navios, hoje se localizam a Av. Rodrigues Alves e a Av. Venezuela, em área aterrada pelo prefeito Pereira Passos em 1906. Naquela época, um dos lados e os fundos do Moinho eram banhados pelo mar e ali atracavam os barcos pequenos que abasteciam de trigo suas máquinas de moagem. O prédio foi erguido neste local basicamente com a finalidade de facilitar o recebimento do trigo, que vinha todo por mar. À direita, o edifício quadrangular e o mercado da Praça da Harmonia, em funcionamento desde 1856. Juntamente com o da Praça XV e o da Glória, constituíam os três únicos negócios do gênero existentes na cidade. ACERVO CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE




Esta imagem, do início do século XX, talvez a mais antiga ilustração do Moinho Fluminense, apresenta uma nítida leitura do primeiro projeto. A fachada, na Rua da Saúde, está acrescida por um imóvel de três andares destinado à administração da empresa, anexado em 1896. A fotografia data do ano 1909 e a autoria é de Luiz Musso & Irmão – MUSEU DA IMAGEM E DO SOM/CENTRO DE MEMÓRIA BUNGE





  A fachada principal do Moinho em 1904 e o passadiço entre o   edifício principal e o       armazém antes do aterro, vistos do mar.




Fachada do Moinho em 1913, após acréscimo de mais quatro andares sobre o original.



                

                                 
Projeto Arquitetônico da Fachada e dos Armazéns I e II





Armazém Nº 1 - 1920 - Acervo Centro de Memória Bunge






Armazém Nº 2 - 1920 - Acervo Centro de Memória Bunge




Outdoor do Moinho em Belo Horizonte, Minas Gerais. Na parte de cima do anúncio, o perfil sombreado das instalações no Rio de Janeiro, 1927.

A GRANDE EXPANSÃO DO MOINHO FLUMINENSE APÓS SUA AQUISIÇÃO PELO GRUPO BUNGE
A aquisição do Moinho Fluminense pelo Grupo Bunge, em 1914, traz importantes inovações. A primeira é tornar o funcionamento do Moinho mais eficiente. São previstos pela nova diretoria importantes investimentos em modernos maquinários e, como consequência, a inovação e a ampliação da construção existente. Esses grandes esforços encontram o primeiro reconhecimento por ocasião da Exposição Internacional de 1922, em comemoração ao centenário da Independência do Brasil. Nessa circunstância, o Moinho Fluminense, ao exibir os resultados conseguidos em nível nacional, recebe um prêmio e a medalha de ouro.


No que concerne ao processo construtivo, voltado à ampliação das estruturas, a leitura dos numerosos projetos permite dar conta da sucessão de obras realizadas até o Moinho adquirir o atual aspecto. Em muitos desses documentos, torna-se difícil identificar os assinantes responsáveis. Entretanto, no projeto relacionado à construção do novo moinho, apresentado em 1926, entre as diferentes assinaturas, encontra-se o nome de Leopoldo Gianelli. Esse fato vem confirmar a permanência de Leopoldo Gianelli na qualidade de diretor-presidente da S.A. Moinho Fluminense, até seu falecimento, que ocorrera em 20 de novembro de 1927. A partir dessa data a gestão do Moinho Fluminense pertence exclusivamente ao Grupo Bunge.